Uma questão de cor, de Ana Saldanha
Eu não tenho nada contra os pretos, mas…
Eu até tenho amigos pretos, mas…
Enfim, eles lá são assim…
Está-lhes no sangue a música, não é? Isso já vem de longe, vem dos tambores das selvas…
Coitadinhos, eles precisam de quem tome conta deles. Os pretos até têm muitas qualidades, mas…
De todos os tipos de racismo existentes, o paternalismo é o pior de todos, e é sem dúvida o mais difícil de combater. “Racista, EU?????”, é a resposta chocada e indignada que este tipo de humanos profere, assim que são acusados de discriminar alguém que não seja da sua raça. Na verdade, a esta gente nem lhes passa pela cabeça de que estão de facto a discriminar: se vocês assistirem ao brilhante filme As Serviçais, do realizador Tate Taylor, encontrarão exatamente este tipo de mentalidade, e o mais chocante de tudo é verificarmos que estas mulheres americanas brancas de uma América (quase) desaparecida estão plenamente convencidas de que são muito “progressivas” e muito amigas dos “pretinhos”.
Ora Portugal não escapou nem escapa à regra: a memória de um império colonial português ainda está bem viva no nosso subconsciente, e não é por termos deixado as nossas colónias que, de um momento para o outro, passámos a ter uma mente mais aberta. Afinal, passaram-se menos de quarenta anos desde o 25 de Abril de 1974, e ainda precisamos de percorrer um longo, longo caminho. Com efeito, por detrás da aparência do “bom patrão branco”, a história do século XX está cheia de relatos de maus-tratos aos negros em nações como Angola ou Moçambique. Os portugueses foram, sem dúvida, mais moderados do que os ingleses ou os espanhóis, mas não fomos nem simpáticos nem igualitários.
Um Questão de Cor aborda precisamente estes dois tipos de racismo: o descarado, frontal e mais honesto (Vai para a tua terra! Estes pretos não fazem nada!, etc”) e o escondido, nunca assumido (Eu não sou racista, mas…). As duas personagens principais – Nina, a prima branca e Daniel, o primo negro – vão ter que aturar muito insulto e muita discriminação, e o racismo virá de todos os lados, até de quem menos se espera. É o caso de uma das professoras de Nina, que nem quer acreditar que uma branca possa ter um membro da família que seja negro, e virá também… da própria Nina, que se acha muito “práfrentex” e que, só muito mais tarde, se aperceberá que também ela é preconceituosa. Na verdade, a reputação de Portugal como sendo um país de brandos costumes e muito cosmopolita sai bastante chamuscada desta história. A imagem dos portugueses não é nem um pouco simpática.
Escrito para uma audiência de adolescentes, este pequeno livro é, no entanto, uma boa forma de abordarmos a questão da discriminação e deverá ser lido por todos, até por adultos. Ou muito me engano, ou muitos portugueses, já pais e mães, se reconhecerão facilmente em algumas das personagens que habitam esta obra literária juvenil…
As ilustrações são da autoria de José Miguel Ribeiro, um dos grandes ilustradores de nacionalidade portuguesa e que (nem de propósito…) estará na nossa escola até quinta-feira a realizar um workshop de animação à turma do Curso profissional de animação (2D3D).
1 comentário:
É uma tristeza que casos destes ainda aconteçam hoje em dia. Felizmente este panorama está aos poucos a mudar. A Globalização está a mudar o cenário do mundo e as pessoas circulam para todo o lado. Pessoalmente acho esta movimentação de pessoas e troca de genes um bom presságio.
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