Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
Sempre que ouvimos falar das palavras “romântico” ou “romantismo”, a primeira coisa que nos vem à cabeça é uma série de cantores piegas e sentimentalistas, trauteando melodias cheias de corações farfalhudos, perante uma plateia de admiradores composta mais por membros do sexo feminino do que do masculino. E, de certa forma, é verdade: o movimento romântico esteve bastante ligado a este grande sentimento, que move toda a Humanidade, e que ainda hoje não consegue ser explicado e descrito.
Porém, o
Romantismo foi muito mais do que isso: este movimento também se preocupava com
grandes questões sociais tais como a educação livre para todos, a identidade de
uma nação, o direito à liberdade individual, as lutas entre classes, entre
outras preocupações de então.
E o casamento.
Sim, o casamento. O direito de
escolhermos o nosso parceiro, sem interferências exteriores; o direito de nos
separarmos dele, se as coisas não correrem bem; o direito de os nossos filhos serem
considerados cidadãos válidos para a nação, mesmo que nasçam fora do casamento;
o direito de uma mulher se separar do marido, se este a tratar mal; tudo isto
são assuntos que nós consideramos, hoje em dia, um “dado adquirido” e fazem parte
da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ora, no tempo de Camilo Castelo
Branco – o tempo de um Portugal rural, atrasado, analfabeto e ferozmente
Cristão – isto não acontecia e o livro deste mês fala precisamente deste tema:
o amor de Teresa de Albuquerque e de Simão Botelho, membros de duas famílias
rivais, é um amor proibido, pois a família já decidira, à revelia da filha,
casá-la com outro pretendente. Era o tempo em que os filhos eram propriedade
dos progenitores e trocava-se a filha por um pedaço de terra a mais. Aliás, a
figura severa do pater famílias - juntamente
com a figura-tipo do emigrante português abrasileirado – encontra-se presente
em muitos livros deste escritor e estas obras, escritas à pressa e de rajada
para um público que gostava de grandes dramalhões, causaram um enorme impacto
cultural e social para os séculos seguintes.
Os românticos pertencem à primeira
geração de artistas que praticam o culto do individualismo, ou seja, o direito
de sermos nós mesmos e de encontrarmos o nosso próprio caminho,
independentemente do que o grupo deseja para nós. Infelizmente – e como muitas
vezes a literatura da época exemplifica – a sociedade está sempre contra o ser
humano rebelde, que finca o pé e diz “não”. Daí que o sentimento do amor fosse
tão importante para os românticos: sendo o casamento uma instituição social e
tendo em conta que naquele tempo não existia divórcio, ficarmos presos a uma
pessoa que não nos diz nada ou que nos trata mal para o resto da vida é
passaporte certo para o inferno na terra.
Embora este Portugal do “Amor de
Perdição” já tenha quase desaparecido, esta história de amor continua, no
entanto, a ser muito atual em muitos países ou muitos grupos religiosos ou
sociais. Lembremo-nos de que o conceito do “casamento por amor” é bastante
recente e ainda só existe no mundo ocidental ou em países já “ocidentalizados”.
Em mais de metade do planeta, com efeito, a troca dos filhos por propriedades
ou dotes ainda é uma constante.
Felizmente, vivemos na parte certa do
planeta…