Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe
Continuando o nosso percurso no mundo do fantástico e do terror, não podíamos nunca ignorar aquele que é considerado, na opinião de muitos, como sendo o melhor escritor de contos de terror e de mistério da história da literatura: Edgar Allan Poe.
Conhecendo um pouco da sua vida pessoal, não é de surpreender que o seu olhar sobre a Humanidade tenha sido tão pouco otimista: foi abandonado pelo pai e, pouco depois, a sua mãe morreu de tuberculose, uma doença bastante comum no século XIX. A partir daí, passou a ser educado pela abastada família Richmond, um casal rico que, porém, nunca formalizou a sua adoção. Apesar de tudo, não se pode dizer que lhe tenha faltado nada, pelo menos em termos materiais: teve uma instrução requintada e foi aluno de excelentes professores. No entanto, o seu “pai” adotivo tanto mimava o seu filho como o castigava com muita agressividade. Não é de espantar, portanto, que este espaço chamado “casa” não seja nunca descrito nos seus contos como um lugar de refúgio e de paz: Muito pelo contrário, é nesse espaço privado que grandes horrores se escondem e rastejam no escuro.
O abandono do pai será, na opinião de muitos críticos, o maior trauma da sua vida, e Poe morrerá pensando sempre que “está a mais” neste mundo. Para esconder esta insegurança, “mascara-se” de jovem rebelde inquieto, algo que lhe trará muitos dissabores como, por exemplo, meter-se em constantes dívidas por causa do jogo. Aliás, o seu constante desnorte com o dinheiro será o pão nosso de cada dia: crivado de dívidas ao jogo, terá que abandonar a universidade, pois o seu pai adotivo já não está – e com toda a razão – disposto a aturar mais os caprichos do seu filho. Como consequência, esta “injustiça” por parte do seu tutor levará a um distanciamento entre os dois, que só será quebrado após a morte prematura da sua mãe… para, quase a seguir, voltarmos ao mesmo: é que John Allan, farto da solidão, casou-se com outra mulher, o que não agradou nada a Poe. Estas discussões foram de tal forma fortes que Edgar Allan Poe acabou por perder o direito à herança e foi viver com o seu irmão mais velho… que morreu de alcoolismo um ano depois.
Depenado e eternamente miserável, há que lhe dar valor numa coisa: Poe nunca fugiu do seu sonho de ser escritor e viveu precisamente disso. Os livros que vendia serviram-lhe para “sobreviver” com muita dificuldade e alguma dignidade. Teve alguns empregos. Porém, ou aborrecia-se e pedia demissão ou era demitido por conduta imprópria (num deles, foi apanhado a beber em serviço). Devagarinho, começou a afirmar-se no mundo da literatura, mas parece que a sua vida não estava destinada a ter sorte: a sua querida esposa Virginia sucumbiu em 1845 à tuberculose, e esta tragédia (mais uma!) na sua curta existência foi um dos grandes motivos da sua queda no mundo do álcool. A partir daqui, Poe caiu numa espiral de autodestruição, ao ponto de, três anos depois, ser encontrado a vaguear nas ruas de Baltimore faminto e delirante. Foi levado com caráter de urgência para um hospital, mas morreria quatro dias depois, a implorar perdão a Deus. Os últimos dias deste grande escritor encontram-se envolvidos em mistério: para começar, as roupas que estava usando não eram as suas. Por fim, antes de falecer, chamou repetidas vezes por um tal “Reynoulds”, e ainda hoje ninguém tem bem a certeza de quem era esse homem, e por que motivo parecia ser tão importante na sua vida. As suas últimas palavras foram: “Deus tenha piedade da minha pobre alma”.
Mesmo depois da sua morte, a sua vida foi fortemente difamada por um crítico, escritor e poeta rival de nome Griswold, que guardava há muito tempo um grande rancor contra Poe. Chegou ao ponto de não só mesquinhamente falsificar cartas supostamente escritas pelo seu rival - onde opiniões horríveis e histórias inventadas revelavam uma personalidade perigosa para a paz pública- como, ainda por cima, escreveu uma biografia fantasiada cheia de mentiras sórdidas, meias-verdades e infâmias que Poe nunca cometera.
Como é que se pode descer tão baixo, perguntam vocês? Mas esta mentira orquestrada, apesar de ter sido denunciada pelos amigos mais chegados de Poe, levou imensas décadas a perder poder. Com efeito, muita gente ainda hoje pensa que este grande escritor era um drogado inveterado, mentiroso convulsivo, destruidor de lares, viciado em prostitutas e em todo o tipo de drogas. Poe sofria, sem dúvida, de alcoolismo, um problema que, pelos vistos, corria nas veias da sua família natural. E, de certeza absoluta, lidava há bastante tempo com essa maldição chamada depressão/loucura iminente. Mas tirando esses dois problemas, era um homem pacato e inofensivo, com os seus ataques impulsivos de frustração e vivendo na constante tristeza de ser pouco amado e reconhecido como escritor. A vida trágica de Poe escorre em todos os seus contos: casas amaldiçoadas; mistérios estranhos; mulheres frágeis e inocentes, vítimas do destino; a presença asfixiante da loucura e do álcool; a injustiça e o medo da solidão; todos os seus fantasmas, com efeito, encontram-se presentes na sua escrita.
Só um homem com um passado destes poderia descrever com tanta mestria o horror do abismo e do medo.
Imagem retirada daqui.
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