terça-feira, junho 04, 2019

Morreu Agustina Bessa-Luís


                   Imagem retirada daqui . 
Ontem, a equipa da nossa biblioteca soube que Agustina Bessa-Luís, uma das mais extraordinárias escritoras mundiais de todos os tempos, falecera aos 96 anos. A notícia não foi para nós uma surpresa: afinal já se sabia há mais de uma década que ela tinha um cancro, que estava doente e, segundo a filha, já dormia muito e começava lentamente a desprender-se da vida, vida essa que foi vivida com intensidade e honestidade. No entanto, a morte de alguém tão luminoso e tão único deixa sempre em nós um gosto agridoce na nossa alma: por um lado, sabemos que ela será imortal, que a sua essência perdura nos livros e não no seu corpo. Por outro lado, saber que esta mulher – tão produtiva, tão versátil! – não voltará a pegar na pena, cria em nós um triste vazio, que anseia por ser preenchido.

Sim, o mundo está cheio de escritores, mas existem aqueles que são irrepetíveis: Tolstoi, Umberto Eco, Saramago, Camilo Castelo Branco, Virginia Woolf, Zola, Agustina, entre tantos tantos outros. Outros virão, é certo, outros darão uma nova contribuição à literatura mundial. Mas Agustina será sempre Agustina.
O seu universo literário não era propriamente difícil, ao contrário do que muita gente pensou e pensa. Há, de facto, a ideia de que os seus livros são escritos apenas para um punhado de “escolhidos” que conseguem entender e beber as suas palavras. Não podíamos estar mais longe da verdade: a sua obra literária exige, isso sim!, uma sensibilidade especial e uma mente muito aberta. Afinal, o mundo de Agustina era um mundo de terra, de frutos e mistérios, de relações familiares complexas e complicadas, de palavras que nunca eram ditas mas eram pressentidas. As suas histórias giravam à volta de clãs teimosamente ligados a casas e pessoas e herdades e jardins, convivendo lado a lado com os animais e as gentes das aldeias. Um clã sociável e distinto mas fechado numa cúpula de sarcasmo e, às vezes mesmo, hipocrisia. Os herois dos seus romances – particularmente as mulheres - eram seres de fabulosos defeitos e qualidades, hábeis manipuladoras benfazejas, puxando os cordelinhos aqui e ali, cada uma delas desempenhando o seu papel nessa constelação chamada “família”. Aliás, esta escritora explicou numa entrevista o sucesso das suas personagens: Sou perigosa na medida em que conheço profundamente a natureza humana").E há a traição, a proteção, a doença, o amor, o dinheiro. Pequenas histórias que se tornam grandes e imortais, porque são as histórias de todos nós.
Agustina Bessa-Luís nunca pertenceu a nenhuma “caixinha” em particular. Foi feminista mas à sua maneira; foi socialista mas à sua maneira; foi escritora mas à sua maneira. Disse sempre a verdade, independentemente de chocar ou não as pessoas. Chegou-se a acusá-la de ser reacionária e misógina, porque as suas mulheres não desempenham o papel dos homens, nem querem usurpá-lo. São felizes na sua casa, no seu jardim, na sua terra. Agustina acreditava e glorificava o “eterno feminino” e era de opinião de que as mulheres não tinham nada de imitar o sexo masculino pois, ao fazê-lo, estariam a anular-se como seres humanos. O seu feminismo – e isso nota-se nas suas heroínas –é um feminismo de afirmação, de não sermos esquecidas, de nos impormos ao clã. (Desde criança que me apercebi que o medo era o grande mistério. Era o caminho para o poder. Refiro-me à noção de poder que é dada numa família em que o rapaz está votado a um triunfo de qualquer maneira, às vezes exigente demais para as forças que tem, e a menina vive mais na sombra). Este é um feminismo para a família, não para o país e para o mundo. Porque o mundo é a casa, e essa tem que ser gerida, arrumada e vivida.
Fica aqui um documentário da vida dela, para aqueles que quiserem saber mais dela.

Nasci Adulta e Morrerei Criança- documentário

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