sábado, junho 15, 2019

Livro da Semana A Conspiração de Papel – David Liss

Livro da Semana
A Conspiração de Papel – David Liss


São – infelizmente! – poucas as pessoas que gostam de História. Para elas, este assunto faz-lhes lembrar a “seca” das aulas, decorar datas importantes, falar de coisas que “já não são do meu tempo” e, por isso – segundo muito boa gente – já não interessam para nada. Não podíamos estar mais longe da verdade: sem o conhecimento do nosso passado e da nossa memória coletiva, nós já não sabemos quem somos. É por isso que a Civilização Ocidental está a passar por um período muito crítico e por uma angustiante crise existencial: afinal, quem somos nós e para que é que servimos?
No entanto, há uma maneira muito divertida de aprender o nosso passado: através dos romances históricos. Este é um género literário muito polivalente, muito versátil, e que serve para todo o tipo de narrativas. Tanto dá para falarmos de um belo romance de amor, como dá também para imaginarmos uma intriga política ou um crime cometido. Podemos criar personagens que nunca existiram e colocá-las num século à nossa escolha, como podemos, se quisermos, “pegar” em figuras genuinamente históricas e dar-lhes vida, através de biografias imaginárias, diários que nunca foram escritos ou, simplesmente, colocá-las no seu mundo e vê-las viver a sua vida.
No caso do escritor David Liss, este optou por uma personagem imaginária, de nome Benjamin Weaver, um judeu que era... Português. Por que motivo Liss escolheu uma personagem de origem lusa? Bem, há várias explicações: para já, Liss é judeu, por isso não é de espantar que ele se interesse pelo passado do seu “povo”, ao longo da História. Por outro lado, tudo começou com a sua “Tese de Mestrado” na universidade de Columbia: ficou tão entusiasmado com toda a pesquisa e estudo que estava a acumular, a propósito do século XVIII, que depressa deixou a sua tese e começou a escrever a tempo inteiro. Além disso, Benjamin Weaver é baseado num pugilista que realmente existiu no século mencionado: seu nome era Daniel Mendoza, era descendente de judeus portugueses e, inclusivamente, escreveu uma biografia (imagem à esquerda). Era uma celebridade da época, arrastava multidões aonde ia e revolucionou “a nobre arte” do Pugilismo. Benjamin Weaver é bastante influenciado por esta figura fantástica, talentosa, perdulária e caótica. No entanto, Weaver é mais metódico, mais observador e mais – um bocadinho de nada mais! – ajustado na Inglaterra de então. Isto é, ajustava-se como podia, pois a comunidade judaica era muito demonizada e ostracizada.
O mais fascinante neste livro nem sequer é a intriga principal: um filho, que anda de costas viradas para o pai, desce ao submundo do crime para tentar encontrar o assassino que o matou. O verdadeiramente interessante neste romance é o que está à volta dele: a sociedade, os costumes de então, a descrição das prisões, a fome nas ruas, o preconceito. E sobretudo SOBRETUDO o mundo do dinheiro e da sua ligação incestuosa e assustadora com as redes criminosas e partes substanciais do governo Britânico. Com efeito, podemos mesmo afirmar que o tema da corrupção é O grande assunto em todos os romances de Davis Liss. Aliás, ele próprio afirmou numa entrevista: Há qualquer coisa de muito interessante em vermos uma versão do nosso tempo noutro século. Nós reconhecemos as semelhanças com mais facilidade, quando estas já estão desfamilarizadas. (podem ler, aqui, a entrevista completa.
Este é um excelente romance de Verão: contundente, profundo, de leitura viciante, mas também cheio de uma ironia e de um sarcasmo que cortam o “azedo” da história.
Divirtam-se!

A Imagem de Daniel Mendoza foi retirada da Wikipedia.

1 comentário:

Clara disse...

Este livro, além de se ler muito bem, sem cansar, atrai o leitor quase desde a primeira página e mantém o interesse até ao fim. É também uma excelente crónica/retrato desta época em Londres.
Muito boa crítica.