Vão ser necessários muitos, muitos anos para voltarmos a ter na civilização Ocidental um génio semelhante a Umberto Eco: já em criança, escrevia as suas próprias histórias de aventuras, era capaz de olhar para um mapa antigo de Paris da Idade Média e ser capaz de visualizar a Idade Média na Paris Moderna. Era botânico, escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano. Sabia muito de tudo, sabia demais. Foi brilhante, irónico, sempre interessado na Humanidade e nos seus imensos contrastes sociais e culturais.
Tal como Noam Chomsky, o grande pensador americano, Umberto Eco vivia fascinado com o poder da persuasão e da propaganda. Fascinava-o a construção da Realidade – através de mil técnicas psicológicas e visuais - ditada pelos vencedores, pelos tiranos, pelas ideologias, pelas corporações. Especialmente o poder dos media e das suas relações incestuosas com os círculos de poder económicos e tecnológicos. Como comentador e cronista, este último poder - cada vez mais decadente e mais medíocre - compromete fortemente a democracia, e tudo o que a Humanidade andou a conquistar há cerca de, pelo menos, 300 anos. Não é de espantar, portanto, que este conjunto de ensaios, palestras e crónicas ganhem o título “A Passo de Caranguejo”. Para ficarmos ainda mais deprimidos, este livro já tem 12 anos. Foi publicado no ano de 2007, durante anos esteve esgotado, e agora voltou a estar na moda, graças à editora Gradiva. 12 anos passaram e continua a ser atual. Nada, literalmente nada mudou e, se mudou, foi para pior.
Não houve nada que não fosse do interesse de Umberto Eco: fala de Harry Potter e do choque cultural que este livro provocou; fala da Ciência, que é hoje vista como sendo uma espécie de “magia branca” ou “milagre”, e não um processo longo e calculado que nos leva a uma descoberta ou a um tratamento; fala do choque cultural entre muçulmanos e ocidentais; fala do politicamente correto e dos novos fascistas; fala das ideologias e do desprezo pelo senso comum; fala de um mundo onde já não há pais que entrem em choque com os filhos; fala da perda da privacidade, do antissemitismo popular e do antissemitismo intelectual; and so on and so on.
Parece um velhinho depressivo, que só diz coisas negativas do futuro da Humanidade. Não podíamos estar mais errados: o olhar deste escritor é vibrante e sábio, mas não pessimista. Num dos seus ensaios “Um sonho”, Eco fala de um mundo pós-global em ruínas. Não há um cenário Mad max, muito pelo contrário: os humanos redescobrem a simplicidade da vida, dos livros, dos animais soltos e gordinhos, das danças no adro da igreja, das orquestras de flautas, da simplicidade perfeita de um pombo-correio ou de uma antena de rádio. Umberto Eco é crítico em relação ao presente, não em relação ao futuro. Nota-se claramente que ele não tem muita fé neste “admirável mundo novo”. No entanto, é um tolerante que observa a humanidade, deixando-a respirar e seguir o seu caminho, e tenta sempre compreendê-la. Está aqui para aconselhar e alertar, mas mais não pode fazer. Nem deve fazer!
Afinal, ele próprio afirmou num congresso, Os intelectuais não resolvem crises, os intelectuais criam-nas.
Sem comentários:
Enviar um comentário