Firmin, de Sam Savage
Logo na capa do livro, encontramos uma dica para o que nos prepara: Um história para todos aqueles que sentem paixão pelos livros e que não perderam a capacidade de amar. Identifica-se com esta citação? Então, do que está à espera para comprar este livro?
E esta obra é, sem dúvida, deliciosa. Deliciosa no sentido literário da palavra, uma vez que o herói desta história é uma simpática ratazana macho, chamada Firmin. Aprendeu a ler, quando estava a devorar as páginas de um livro… E eis que se sentiu atraída pela literatura.
Mas (oh, mundo cruel!), um bichinho destes, assim que começa a ler, em vez de comer o produto, passa a ser marginalizado pela sua sociedade. Ninguém o compreende. É então que Firmin, sozinho e triste, procura fazer amizade com o livreiro da loja onde mora e com um escritor fracassado, também ele um ser pouco respeitado no mundo dos humanos. À medida que se relaciona com a nossa temida espécie, o nosso herói começa também a ter sentimentos humanos…
Obviamente que esta obra é uma alegoria a todos os homens e mulheres que se destacam do mundo em que vivem, porque são demasiado curiosos, demasiado sensíveis, demasiado sonhadores. Sam Savage criou uma história enternecedora, cheia de vida e maravilhosamente escrita. Devemos também prestar homenagem ao ilustrador Fernando Krahn que, através dos seus desenhos, fez com que este livro se tornasse um prazer ainda maior!
Para quem gosta de “devorar” livros, não vai ser difícil identificarmo-nos com a ratazana que existe dentro de nós…
A Ascensão Do Dinheiro, de Niall Ferguson
Já cantava a Liza Minelli, no filme Cabaret: “O Dinheiro faz girar o mundo”. E quem é que não se lembra da canção “Money”, do álbum The Dark Side Of The Moon, dos Pink Floyd? E quem é que nunca desesperou no fim do mês? E quem é que nunca apostou no Euromilhões ou na raspadinha ou no Totoloto? E quem é que nunca sonhou pelo menos uma vez na vida em ser rico/a?
Pois é. Diz-se para aí que o dinheiro é o “vil metal”, que destrói sociedades, famílias inteiras, corrompe almas, arrasa com o bem-estar de todos. Porém, e segundo o excelente estudo de Niall Ferguson, o dinheiro é, ao mesmo tempo, a grande mola que faz desencadear as revoluções quer sejam negativas ou positivas. Sem ele, por exemplo, não teria existido a implantação da República, na França. Sem ele, não teria existido a Democracia, não teria existido o Feminismo, a luta pelos direitos iguais, os movimentos ecológicos. Como diz o resumo desta obra, Nial Ferguson considera que a actividade financeira é, na verdade, a base do progresso humano. Mais do que isso, apresenta-a como a história por detrás da História. A evolução do crédito e da dívida foi tão importante como qualquer inovação tecnológica, desde a Babilónia até às minas de prata da Bolívia.
Todavia, é bom não nos iludirmos: o dinheiro será sempre uma fonte de problemas, de lutas pelo poder, de ascensões e quedas de grandes impérios. O autor deste livro demonstra que a lição mais importante que a história da actividade financeira nos dá é que, mais cedo ou mais tarde, todas as bolhas rebentam, mais cedo ou mais tarde, haverá sempre mais “Bears” (vendedores pessimistas) do que “Bulls” (compradores optimistas), mais cedo ou mais tarde, a ganância transforma-se em medo.
Há que tirar o chapéu a Niall Ferguson. O autor não escreveu este livro só para alguns. Desde o sapateiro até ao senhor advogado, desde a caixa de supermercado até ao senhor doutor juiz, toda a gente lê este estudo com imenso prazer. Acessível, objectivo e cativante, eis aquilo que chamamos “dinheiro bem gasto”.
A Misteriosa Chama da Rainha Loana, de Umberto Eco
Se existe actualmente um escritor que merece o título de génio, Umberto Eco é um deles. Num mundo literalmente dominado pela literatura light, pelas obras de auto-ajuda, pelos livros de culinária, “segredos” e “códigos Da Vinci”, é um prazer sem limites lermos algo que realmente merece ser lido. Mais ainda, outra das grandes características de Umberto Eco é surpreender o leitor: nunca escreve a mesma história, o mesmo livro, as mesmas personagens. Por isso mesmo, sempre que folheamos as páginas de um novo romance deste escritor, nunca sabemos o que nos espera, nunca sabemos como a história irá acabar, sentimos sempre estupefacção perante a sua extraordinária imaginação.
E do que trata esta história? Yambo, o herói deste romance, perdeu a memória, graças a um AVC. Mas não é qualquer memória que perdeu, é a chamada “memória semântica” que sofreu um assustador blackout no seu cérebro. Em poucas palavras, é capaz de se lembrar, com uma vivacidade realística, de toda a história de Júlio César, a ditadura de Mussolini, todos os escritores e poetas que leu, todas as músicas que escutou. Só não se lembra é da sua vida! Não sabe como se chama, não sabe se é casado, se tem uma amante, se tem filhos, qual é a profissão, quem são os seus amigos.
Desesperado, Yambo decide fazer algo que parece uma perfeita loucura, mas tem a sua razão de ser: pesquisará o seu passado, através dos cadernos da sua escola, dos manuais guardados, dos discos que ouviu na sua infância e adolescência, das bandas desenhadas que foi coleccionando, dos panfletos históricos e publicitários da Itália de Mussolini. Talvez assim, algumas memórias “saltem” para o seu consciente, e lhe expliquem, de uma vez por todas, quem é ele…
Este romance não é só um prazer de palavras, é também um manjar para os olhos: como quem não quer a coisa, Umberto Eco, através de dezenas de imagens a cores, leva o leitor a dar um passeio à Itália da Segunda Guerra Mundial, e mostra-nos uma Itália sombria, reaccionária e racista que, infelizmente, ainda existe. Basta abrirmos um jornal e vermos Silvio Berlusconi no ecrã, para nos apercebermos até que ponto o culto do líder ainda está vivo, em Roma.
E o que é que esta história tem a ver com uma “misteriosa chama da rainha Loana”? E quem é esta “rainha Loana”??
Não sabe? Pois, Yambo também não…