Se proferirmos o nome “Miguel Cervantes”, serão poucas as pessoas que, hoje em dia, saberão quem é ou era. Provavelmente irão dizer disparates do estilo “é futebolista” ou “é um político”. No entanto, se dissermos logo a seguir “D. Quixote”, serão muitos aqueles que imediatamente se lembrarão de um homem franzino a lutar contra moinhos. Pois é: esta personagem – juntamente com o seu fiel amigo Sancho Pança – tornou-se um símbolo do sonho vs realidade, a coragem vs pragmatismo, a aventura vs a rotina. E de tal forma marcou a cultura Ocidental que, ainda hoje, muitas personagens atuais ainda são criadas com base nesta dicotomia. O último caso é o do visionário Homem de Ferro vs o pragmático Capitão América.
No entanto, Miguel de Cervantes não se ficou por esta obra-prima. Na verdade, até ao fim da vida, escreveu. E os paralelismos entre Camões e este grande autor espanhol são extraordinários: ambos participaram em batalhas, ambos conheceram o mundo, ambos tinham uma mente muito aberta, ambos eram génios, ambos passaram por imensas dificuldades económicas até morrerem e ambos sobreviveram muitas vezes graças à arte da escrita.
Ora, uma das últimas obras – senão mesmo a última – que Cervantes escreveu tinha o título de Los trabajos de Persiles y Sigismunda - Historia Setentrional. No entanto, a editora Colibri, para comemorar os 400 anos da 1ª edição deste pequenino livrinho, deu-lhe o nome moderno de A Lisboa de Miguel Cervantes. E temos que admitir: no século XXI, este é um título bem mais chamativo do que o original. Já praticamente ninguém se chama Persiles ou Sigismunda. Graças a Deus, pobres criancinhas...
Eis uma descrição dos lisboetas, vista pelos olhos de uma das personagens: Aqui o amor e a honestidade dão-se as mãos e passeiam juntos, a cortesia não deixa a arrogância chegar-se a ela e a bravura não consente que dela se aproxime a covardia. Todos os seus habitantes são agradáveis, são corteses, são liberais, e são enamorados, por que são discretos. Claramente Lisboa ainda não tinha senhorios a expulsar os velhinhos das suas casas, não existiam hostels e a capital ainda não era um parque de estacionamento a céu aberto.
Ironicamente, a cidade não é grande estrela deste livro: Manuel de Sousa Coutinho (sim!, o Frei Luís de Sousa!) e uma família de “bárbaros,” vindos da Europa Setentrional, são as figuras mais importantes desta obra, assim como a gentileza e piedade dos lisboetas. Na verdade, pouco se fala desta capital... Apesar de tudo, vale a pena ler esta pequenina história, que se divide em três partes. É um documento histórico interessante e, para quem está a aprender Castelhano, esta edição é bilingue.
Este livrinho foi-nos oferecido pela Doutora Maria Fernanda de Abreu (que linda dedicatória, obrigado!), que editou, prefaciou e organizou esta homenagem. A dedicatória também revela o agradecimento do ilustrador Nuno Abreu. Para quem não sabe, esta professora é a maior - como diz o povo - “entendida” na vida e obra do grande Cervantes! COM EFEITO, É UMA GRANDE CERVANTISTA RECONHECIDA INTERNACIONALMENTE. Por isso mesmo, a equipa da nossa biblioteca sentiu-se muito comovida com a sua oferta.
Lê-se em meia hora, podemos garantir-vos!
2 comentários:
Tive o przer de ser aluna da Professora Fernanda Abreu. Saudade das suas magníficas aulas...
Adorei este texto. Parabéns.
Dom Quixote é uma obra tão grandiosa que a gente se esquece de buscar por outras de Miguel de Cervantes. Vou anotar a sugestão.
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