segunda-feira, novembro 15, 2021

Livro da Semana: Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago

 

Se tivéssemos que descrever este romance numa só palavra, provavelmente o adjetivo “profético” assentar-lhe-ia que nem uma luva. E não será difícil explicar porquê.

Estávamos no ano de 1995. As torres gémeas ainda não tinham caído; o DAESH ainda estava para nascer; a ideologia do “politicamente correto” da extrema-esquerda só existia nos Estados Unidos da América e ainda não tinha infetado o resto do planeta; as teorias de conspiração – muitas delas ligadas à extrema-direita - ainda não tinham chegado à Europa; o radicalismo religioso só existia nos livros de História; os refugiados eram uma coisa do passado; a Wikipedia ainda não tinha sido imaginada, quanto mais as redes sociais; a internet ainda era uma coisa de poucos e os smartphones só existiam nos filmes de ficção científica; o veganismo era um movimento residual e o Reino Unido ainda estava na União Europeia; o euro estava a ser criado; a China ainda não era dona do mundo; os jornais de papel ainda eram senhores da Verdade, as lojas de aluguer de vídeo ainda davam lucro, as salas de cinema ainda enchiam e os leitores de MP3 flutuavam no Éter, à espera de que um carola os inventasse.

Podíamos ficar aqui durante horas a recordar tudo o que existia há mais de 20 anos e já desapareceu ou está em vias de desaparecer. Porém, uma coisa é certa: os anos 90 foram anos de inocência, estavam cheios de otimismo e de fé no Futuro. Até que um homem chamado Saramago veio estragar a festa.

Ensaio sobre a Cegueira é obviamente uma alegoria. A dita “cegueira” que de repente ataca toda a Humanidade nada mais é do que a cegueira do Espírito Humano. Este é um livro que, no ano de 1995, colocava uma questão: e se a Humanidade voltasse a “cegar”, o que aconteceria se Ela se esquecesse de todas as lições do Passado? Com base nesta interrogação, Saramago criou um mundo onde toda a gente perdeu a capacidade de VER, e só uma mulher parecia estar imune a esta “doença” contagiosa e epidémica.

Mas nós, que pertencemos ao ano de 2021, já não precisamos de colocar esta questão. Só precisamos de ligar a TV ou o smartphone, e assistirmos de camarote a um planeta que está e enlouquecer e a morrer. Tal como este romance previu, no final do século XX.

Sufocante, clarividente, brilhante. E profético.

Felizmente, a sequela tem um final feliz.

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