Se Florbela Espanca ressuscitasse, ficaria horrorizada com tudo o que veria: acharia odiosa a música “de amor” atual; ficaria chocada com a falta de flirt e sensibilidade dos namorados de hoje; ficaria triste ao saber que já ninguém escreve cartas de amor; acharia de um intenso mau gosto nenhum rapaz oferecer flores à sua amada; ficaria furiosa com toda esta “indústria do dia 14 de fevereiro” à volta de um sentimento tão nobre; não condenaria aquilo que chamamos hoje os “múltiplos parceiros”, mas acharia hediondo alguém procurar única e exclusivamente o ato sexual; e, por fim, não conseguiria compreender como é que as raparigas de hoje se submetem a tanta falta de respeito e carinho. Na verdade, por muito menos Florbela acabou com alguns dos seus namoricos!
É que Florbela Espanca viveu para o Amor e para a alegria da Vida. Viveu, viveu apaixonadamente. E, por isso mesmo, ardeu e consumiu-se demasiadamente depressa. Clinicamente louca (provavelmente bipolar), a sua loucura produziu poemas de amor – lado a lado com poemas de depressão e de crise existencial – que ainda hoje, ao serem lidos ou recitados, continuam a ressoar na nossa alma humana. Afinal, quem nunca cantou E é amar-te assim perdidamente...? Quem é que nunca se sentiu fascinado pela fotografia da bela mulher envolta em pérolas, penetrando-nos com o seu olhar esfíngico? Quem é que não sentiu admiração por esta extraordinária portuguesa, que vivia no século seguinte e não no presente pacato e fechado do Alentejo de então?
E, apesar de tudo, apesar desta pacatez, o ser humano ainda conseguia ser grande. Entre as árvores e os frutos, inventava-se a família, a comida, as lendas populares. Sonhava-se. No mundo de hoje - cada vez mais mecanizado e mais transhumanista - a voz desta mulher lembra-nos a glória da espécie humana, os tempos em que os Homens ascendiam à condição de deuses através da música, da dança, da poesia, da crença em outros mundos, outras dimensões. Uma árvore não era só uma árvore, era um ser vivo com uma fada que a protegia. Um poço não era só um poço, era um local onde moravam as mouras e os seres aquáticos. Estes eram os tempos em que a Humanidade não tinha medo, não era pequenina e reles, e não gastava os seus dias tolhida e curvada a olhar para uma chapa, indiferente ao choro de uma criança, à solidão de um avô ou um cão que tem fome. E quando finalmente chegar o dia em que todos já estarão fartos deste “admirável mundo novo”, Florbela retornará do Olimpo, mais forte e mais vibrante como nunca.
E, qual uma Némesis ou um Jesus no meio dos vendedores, acordará a chama em todos nós.
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