quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Livro da semana

 

Homem na escuridão, de Paul Auster

clip_image001 Para quem não sabe – e deve ter andado muito distraído – Paul Auster é um dos poucos escritores deste planeta que escreve muito e escreve sempre bem, uma capacidade bastante rara nos artistas pois, como toda a gente sabe, na esmagadora maioria dos casos “mais é menos”. Mas há assim casos esporádicos que se contam pelos dedos: os compositores Bach e Mozart e o saudoso José Saramago faziam parte desta lista de génios felizardos, cujas musas particulares nunca estavam de férias.

Porém Paul Auster, como cidadão americano, vive seriamente perturbado e preocupado com o caminho que a sua nação está a seguir, e faz parte de um vasto grupo de artistas e analistas que tem vindo a alertar os americanos para o assustador crescimento da extrema direita ultrarreligiosa, cada vez mais dona e senhora dos direitos individuais de cada cidadão das terras do Tio Sam. Os seus livros, como é óbvio, não fogem clip_image003a esta realidade, e descrevem sempre uma América asfixiada por regras, preconceitos e uma violência extrema e inexplicável. E no meio desta lavagem ao cérebro carregada de soundbytes e paranoias, as personagens vivem interiormente sozinhas e fazem os possíveis para manter ou recuperar a sanidade num mundo cada vez mais colapsado pela loucura. Neste ponto, Paul Auster não foge da linha de autores como Philip Roth ou Cormac Mccarthy, autores estes que não sentem pudor nenhum em nos descrever a realidade tal e qual como ela é e que, em certos casos, não se coíbem também de imaginar américas paralelas, no intuito de nos alertar para a ascensão de potenciais ditadores, que pacientemente aguardam a ocasião certa para destruir a Liberdade, sempre em nome de Deus ou de uma ideologia bem-intencionada. A Conspiração contra a América, de Philip Roth é um destes excelentes exemplos.

Neste contexto, O Homem na Escuridão não foge da regra: Augustus Brill, um velho que sofre de constantes insónias, esconde-se dos seus fantasmas através da escrita. Nos seus textos, imagina uma América onde as torres gémeas não caíram, mas esta está a desmembrar-se e vive uma violenta guerra civil. Porém, e por mais que tentemos, não podemos fugir da realidade, pois esta vem sempre bater à nossa porta, quer queiramos quer não. A sua escrita, longe de afastar as memórias angustiantes do seu passado, mais parece exorciza-las e chamá-las à pedra. Brill, juntamente com a sua neta, duas personagens sozinhas e feridas por uma América que esmaga seres humanos, tentarão resolver os seus medos através do amor entre avô e neta e através do poder curativo das palavras.

O livro é pequeno, perfeito, e nada mais há para acrescentar ou diminuir. Lê-se de um fôlego, e deixa saudades quando o largamos.

Paul Auster no seu melhor.

Imagem retirada de:

http://armonte.wordpress.com/tag/cormac-mccarthy/

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