Dora Bruder, de Patrick Modiano
Segundo algumas contas feitas, pensa-se que, até agora, já devem ter existido cerca de 100 biliões de seres humanos neste planeta, e é só quando pensamos neste gigantesco número que nos apercebemos até que ponto cada um de nós não passa de um pequenino ponto que, em 99% dos casos, não será mais do que uma pegada à beira-mar: mesmo que alguém se dê ao trabalho de tirar uma foto e publicá-la no facebook, o resultado vai ser o mesmo e ninguém, a não ser parentes e amigos mais chegados, se lembrará de nós, quando morrermos. Tantas guerras, tantas fomes, tantas injustiças, tantos momentos felizes, tudo isto reduzido a nada, como se nunca tivéssemos vivido.
Dora Bruder teria feito parte deste mar de anónimos, se não fosse um escritor de nome Patrick Modiano: tropeçando, quase por acaso, numa revista velha de 1945, descobriu que uma família judia, logo após a II Guerra, colocara um anúncio e andava ansiosamente à procura de um dos seus familiares desaparecidos, algo que, infelizmente, foi bastante comum, uma vez que esta época negra da História matou dezenas de milhões de seres humanos, de todos os lados, credos e raças. Aliás, estes anúncios em jornais e revistas eram o pão-nosso de cada dia.
A partir deste momento, Patrick Modiano ficou obcecado por esta jovem adolescente de 15 anos, que desaparecera de um convento católico, convento este que supostamente estava a escondê-la dos nazis. O que se terá passado? Por que motivo fugira ela? Por que tomara ela esta decisão?
Este pequenino livro, que se lê num dia e numa tarde não é uma história no sentido típico. Digamos, isto sim, que se trata de colagens, recortes, bilhetes, fotos, restos da presença de Dora neste mundo. O objetivo deste livro não é denunciar o Holocausto Nazi e os campos de concentração. Disto, estão as livrarias cheias de obras literárias ou históricas. Na verdade, dir-se-ia que esta sucessão de “banalidades diárias” é quase indolor e superficial. No entanto, é precisamente aí que esta obra nos choca: como é que um ser humano, com uma vida tão comezinha e tão comum – igual a tantas existências neste planeta – pôde ser destruído por causa de um reles e estúpido detalhe: a sua preferência religiosa?
Dora Bruder é, acima de tudo, um breve relato sobre até que ponto a Humanidade pode ser sinistramente absurda: um peso a mais, um par de óculos ridículo, um gaguejar, uma cor de pele mais escura, um deus ligeiramente mais diferente. Basta só isto para que o nosso destino possa ser decidido por uma multidão enraivecida.
Triste e lúcido, este livro insere-se na montra do mês, “Foi você que pediu um livro pequeno?”. É pequenino, é. Mas é um pequeno grande livro.
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