Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
De todos os livros que saíram da mão deste escritor colombiano, Cem Anos de Solidão é o mais famoso e o mais aclamado de todos, embora, segundo o próprio autor, a sua obra preferida tenha sido o lindíssimo e tristíssimo Ninguém Escreve ao Coronel, uma espécie de O Velho e o Mar da América do Sul. Gostos à parte, este romance celebrizou-o para a posteridade, e, na opinião de muitos críticos, García Márquez foi o último grande contador de histórias do século XX. O próprio Pablo Neruda considerou esta obra-prima da literatura como sendo o melhor livro escrito em castelhano desde D. Quixote.
A intriga deste romance ocorre numa aldeia imaginária, de nome Macondo, e narra a longa história da família Buendía-Iguarán, um clã bizarro e fascinante, poderoso, apaixonado e amaldiçoado. De facto, quando o sábio cigano Melquíades visita Macondo e trava amizade com José Arcádio Buendía, elabora um monte de pergaminhos escritos na língua Sânscrita e cujo assunto é o passado, presente e futuro desta longa linhagem de guerreiros impulsivos, místicos carnais e mulheres de força telúrica.
É o próprio Melquíades que jura a pés juntos que os Buendía- Iguarán estão amaldiçoados e viver cem anos de solidão, pois existe um segredo bem guardado que deu origem a este imenso fardo. Obcecados, todas as gerações deste clã tentam decifrar os pergaminhos, e quando finalmente Aureliano Babilónia o consegue, o seu feito chegará tarde demais, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não teriam uma segunda oportunidade na terra.
Acima de tudo, Macondo é uma alegoria da América Latina: é um pequeno lugarejo que, fundado pelo patriarca José Buendía, representa um continente que quer começar do zero. A terra é a salvação. Porém, tudo o que é tocado pelos humanos, descamba sempre na morte, na guerra e na sede de poder. Os habitantes são passivos, conformados, habituados a obedecer. Não importa se é o fundador da cidade, o colonizador americano, o padre, o coronel que, supostamente, vem salvar o povo da escravatura e da ignorância. O povo obedece simplesmente, obedece passivamente. Macondo vive num tempo intemporal, onde nada muda, apesar das tentativas desesperadas dos seus habitantes, que lutam pelo progresso, por um amanhã mais sereno e mais democrático. Por muito que se tente, volta-se sempre à estaca zero. A vida dá voltas e voltas e voltas e, quando damos por isso, nunca saímos da nossa jaula, nunca saímos do nosso lugar. Por isso mesmo, todo este romance é contado num tempo presente e (aparentemente) linear. Não há amanhã porque o presente é sempre o amanhã. Úrsula, a personagem centenária deste livro, é o elo de ligação de todas as gerações Buendía-Iguarán. Ela sofre na pele todas as fomes, injustiças e guerras. E, no entanto, mantém-se serena, implacável, segura como uma rocha. De todas as personagens, é esta a que melhor parece entender a passagem do tempo: tudo é igual, tudo é imutável, e nada mais há a fazer do que suportar a vida com estoicismo.
Se nunca leram este livro, convém terem um caderno de apontamentos: há tantas personagens, muitas delas com o mesmo nome. Não é difícil perdermo-nos no grande labirinto de tantas gerações e de tantas histórias paralelas. Todavia, a escrita de García Marquéz é hipnotizante, fluida, rica. Cem anos de solidão é um hino à literatura Mundial: é triste alguém ter vivido uma existência inteira sem nunca ter lido este livro.
Sem comentários:
Enviar um comentário