O Menino no Espelho, de Fernando Sabino
Longe vão estes tempos… A história passa-se no século passado, muito antes de existir a internet, o telemóvel, os jogos de computador. O mundo era (ainda) cor-de-rosa, a Humanidade ainda tinha esperança e acreditava em futuros melhores. E neste mundo (ainda) cor-de-rosa, um menino sonhador e apaixonado pela vida - como todas as crianças felizes devem ser – encontrava-se entretido a brincar com as poças de água quando um homem misterioso decide meter conversa com ele. Palavra puxa palavra, criança e adulto trocam adivinhas, riem, contam as suas vidas e estabelecem uma confiança instantânea. E é aí que o mistério se aprofunda:
O homem disse que tinha de ir embora — antes queria me ensinar uma coisa muito importante:
— Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da sua vida?
— Quero — respondi.
O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos:
— Pense nos outros.
Na hora achei esse segredo meio sem graça. Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir. Mas que sempre deu certo quando me lembrei de seguir, fazendo-me feliz como um menino.
Só no fim do livro é que percebemos quem foi este amigo de apenas um dia, pois este nunca mais voltou. Mas O menino no espelho é uma obra autobiográfica, com umas boas pinceladas de magia e ingenuidade infantil: Fernando Sabino guarda com saudades a criança que foi. Esta criança que ensinou uma galinha a falar, tinha uma sociedade secreta, voava e fazia milagres, falava e brincava com o seu sósia no espelho, apaixonou-se pela sua prima e quis “tramar” o seu namorado. Esta criança encantava-se com aquilo que só uma criança pode compreender e amar:
Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas. (…). Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes. (…) Os diferentes ruídos das gotas d’água retinindo no vasilhame, acompanhados do som oco dos passos em atropelo nas tábuas largas do chão, formavam uma alegre melodia, às vezes enriquecida pelas sonoras pancadas do relógio de parede dando horas.
Este livro não é um livro só para crianças, é uma homenagem à infância e a todos aqueles que se recusaram a matar o/a menino/a dentro de nós, e que ainda hoje se encantam com um teto cheio de goteiras ou um dia cheio de milagres. “Pense nos outros”, disse o misterioso homem, antes de desaparecer. E tinha razão: quando pensamos nos outros, aquilo que somos deixa de ser importante. E a criança (ainda) dentro de nós pode voltar a respirar.
Imagem retirada daqui
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