Lembro-me tão bem!: estava eu nos anos oitenta do século passado. Era uma criança feliz e ingénua, como todas as crianças devem ser. E devorava tudo o que fosse ficção científica: Star Trek, Espaço 1999, Galactica, Star Wars, revistas da Marvel e da DC… E como todas as crianças da minha geração, queria ter um robot com quem brincar e falar. Os anos oitenta foram uma década em que a Fé nas tecnologias estava muito perto de um culto religioso, eram uma espécie de papá máquina que iria salvar a Humanidade, livrá-la dessa coisa chata chamada “trabalho”, libertando assim os humanos para fabricar Arte, Filosofia, etc.
Hoje, no ano
de 2023, o olhar que temos da tecnologia e da Inteligência Artificial é cada
vez mais um olhar desiludido e assustado: uma a uma, as profissões estão a desaparecer,
até aquelas que nós julgávamos que não poderiam ser substituídas, porque
necessitavam da tal “mente humana”. Estamos muito mais perto do filme “IA” de
Steven Spielberg, do que do futuro imaginado na série Star Trek.
Tudo isto a
propósito do nosso livro da semana: claramente, estamos a falar de um futuro
próximo, dominado por uma humanidade que quase não faz nada, e há robots a
servi-la em toda a parte. Esta é a história de um(a) robot, vítima de um navio
que naufragou com 500 pacotes de robots. Cinco deram à costa numa ilha deserta,
quatro foram destruídos pelas ondas e pelas rochas. Apenas sobrou um que –
acidentalmente – foi ativado por uma família de lontras. A partir deste
momento, a Roz – Rozzie é o nome da série de robôs a que ela pertence - começa
a aprender e a tentar compreender como a Natureza funciona: sistema de
camuflagem, linguagem dos animais, como dialogar com eles, como construir uma
casa, como alimentar uma cegonha bebé, como fazer amigos, como abrigar-se do
frio de Inverno. E tudo parece correr bem… até o dia em que outros robots
começam a ir à procura dela.
Obviamente
que este livro é uma metáfora da Humanidade, e a nossa Roz representa todos
aqueles que, por serem diferentes, levam tempo a serem aceites pelos outros.
Porém, esta história também nos mostra que, com persistência, paciência e afeto
pelos outros – mesmo aqueles que nos querem mal – é sempre possível quebrar
barreiras, fazer amigos, contribuir para a comunidade. Porque há de chegar
sempre aquele momento em que alguém vai precisar da nossa ajuda. E se nós
entendermos a mão nessa ocasião, arriscamo-nos a fazer um amigo para a vida. O
preconceito pode ser grande, mas a persistência e o amor conseguirão,
devagarinho, quebrar os mitos. Este é um livro que menciona uma das mais
importantes lições de vida: a mudança parte sempre de nós. Não são os outros
que têm de nos aceitar, somos nós que temos que mostrar aos outros que não há
razões nenhumas para alguém fugir da nossa presença.
Por fim,
este livro também aborda outra lição de vida muito importante: o que é isso de
“existir”, “amar”, “ter personalidade”? Onde estão a Alma e as Emoções?
BicoBrilhante – o filhinho adotivo de Roz – encontrou outros robôs exatamente
iguais a à sua mãe. E, no entanto, eles não se pareciam nada com ela. Roz era
um “robot especial”. No ano de 2023 estamos, de facto, a um passo de criar um
robot “emocional”, capaz de sentir e de amar. E a ficção científica está cheia
de filmes e de séries que falam precisamente desse tema. Se tal acontecer,
então teremos criado uma nova espécie de vida, que necessita de
responsabilidades, sim, mas também de direitos e regalias.
Mas por que
motivo estamos a falar de assuntos tão profundos a propósito de um livro para
crianças? E é aqui que nos enganamos todos: à semelhança de obras como O
Principezinho, este livro é uma obra para crianças “dos 8 aos 80”. As mais
pequenas não vão perceber as 2ªs, 3ªs leituras desta história. Apenas se
identificarão com a Roz e desejarão o melhor para ela. São precisamente as
crianças mais crescidas – ou seja, nós os adultos - que entenderão as mensagens
veladas, e uma delas até aborda a questão das mudanças climáticas.
Esta é uma
história que se lê de uma assentada. A sério, não estamos a brincar, bastou uma
tarde para folhearmos a última página desta moderna fábula. Por isso
aconselhamos a sua leitura a todas as crianças, pequenas e grandes, que não
gostem de ler. Este é um excelente livro para oferecer àqueles que torcem o
nariz, assim que veem muitas palavras. E, já agora, ajuda bastante o facto de a
história estar maravilhosamente ilustrada pelo próprio autor.
Agora, toca
a ler a sequela: “Robot em Fuga”!
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