Aquela
cativa,
que me
tem cativo
porque
nela vivo,
já não
quer que viva.
E é assim que começa um dos poemas de amor mais lindos da História da Humanidade: Endechas a Bárbara Escrava é considerado por todos os estudiosos da Literatura Mundial como sendo um dos primeiros poemas antirracistas escritos na Civilização Ocidental. E foi precisamente este poema que criou polémica em 2019, quando João Miguel Tavares o recitou em público no dia 10 de Junho de 2019, e aproveitou para afirmar que talvez precisemos de um pouco menos de Lusíadas e de um pouco mais de lírica camoniana. (Podem encontrar a história completa aqui).
É verdade
que Os Lusíadas são de uma grandiosidade e quase perfeição. No entanto,
os seus restantes poemas possuem uma Humanidade que, embora existente na obra
acima citada, é mais “mundana” e, por isso mesmo, mais fácil de entender e de
criar laços nos nossos corações. Leva-se tempo a gostar d’Os Lusíadas.
Isso não acontece com a restante poesia lírica. Pelo contrário!: há sempre um
soneto ou uma endecha ou uma redondilha ou uma ode que nos toca. Há sempre uma
migalhinha de Camões que se aloja no nosso coração e que toca as cordas da
nossa alma. Pode parecer pouco, mas essa pequena luzinha cá fica brilhando e,
quando nos lembramos dela, ficamos sempre espantados pela sua beleza, como se a
tivéssemos lido ou ouvido pela primeira vez.
É o Homem
que nos toca, não a máquina propagandística do país: as suas paixões, as suas
desilusões com o mundo, o medo do Tempo e da Mudança, o eterno Azar que o
persegue, a eterna (quase) Pobreza que não o deixa dormir. Porque ao contrário
do que se pensou durante muito tempo, Camões foi pobre, sim, mas não foi
miserável. Vivia de fazer poemas para os outros (hoje seria um freelancer…)
e, como é de se esperar com este tipo de “profissão”, teve dias bons e maus.
Mas, no geral, até conseguia pagar com alguma regularidade as contas. O povo
amava este grande poeta. Era a Elite do seu tempo, medíocre e invejosa, que não
podia com ele. Ah, e também havia a maldita pensão real, que nunca chegava a
horas.
Sim, nós
sabemos que é piroso dizermos isto, mas Camões é Portugal, tal como Dante é
Itália, Cervantes é Espanha e Goethe é Alemanha. Depois deste génio, os
lusitanos nunca mais foram os mesmos. E o melhor elogio que podemos dar à nossa
História e língua é guardarmos no nosso coração pelo menos um poema dele. Para
nós e para as futuras gerações.
Qual é o seu, caro(o) leitor(a)?
Sérgio Godinho, Endechas a Bárbara Escrava (ao vivo): https://www.youtube.com/watch?v=B7VS9LGyFtk
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