Muita polémica tem sido gerada à volta daquilo que se chama nos círculos académicos a “paraliteratura”. E agora vocês estão neste momento a coçar a cabeça e a dizer “paraQUÊ”???????
Expliquemo-nos melhor: “Paraliteratura” é o nome que geralmente se dá a histórias que não são consideradas “obras de arte” literárias. O seu propósito é, de uma forma geral, entreter e oferecer horas de prazer ao leitor. A linguagem é objetiva, não há muita descrição e é escrita de uma maneira que “agarra” o leitor e obriga-o a virar páginas atrás de páginas, ansioso pelo desfecho da narrativa.
Ou não?
A descrição que fizemos da mesma é muito, muito vaga. Geralmente é assim e, no entanto, há livros que começaram por ser paraliteratura e hoje são considerados obras-primas. É o caso da Dama das Camélias, de Alexandre Dumas ou O Crime no Expresso Oriente, de Agatha Christie. E há mesmo obras que – não sendo consideradas artísticas – marcam uma época. O Código Da Vinci é a mais recente de todas. E depois ainda existe outro problema: o preconceito das elites académicas. Foi preciso quase um século para que a literatura policial começasse a ser respeitada nas faculdades e jornais literários. O que se entende por “género menor” ou “género maior” depende muito do contexto sociocultural do mundo em que vivemos. Para piorar, os escritores de obras paraliterárias têm que lidar com acusações estilo “estes livros afastam os leitores da verdadeira literatura”, “estes livros tornam os cérebros preguiçosos”, “estes livros são fast food”...
Uma coisa tem que ser dita: este género de histórias é concebido especificamente para atrair as massas e podem ou não ter uma mensagem social. É o caso da invenção da “literatura de folhetim”, inventada no século XIX para uma burguesia em ascensão, e que foi crucial na mudança de mentalidades. A título de exemplo, Camilo Castelo Branco foi muito influenciado por ela.
Kate Morton não é Virginia Woolf. O seu mundo é um mundo de mulheres para mulheres leitoras: a casa, os filhos, o amor, segredos de família, uma narrativa rápida, simples, feita de propósito para “agarrar” as leitoras e fazê-las esquecer por um momento das suas vidas “mundanas” e super ocupadas. Não tem quaisquer pretensões de mudar o mundo da literatura, escreve porque gosta, ponto final. Apesar de tudo, é também uma escritora ousada, pois usa muito a técnica de “saltar tempos”: assistimos quase simultaneamente às histórias de duas mulheres em tempos diferentes, uma no início do século XX e outra no início do corrente século. Não é fácil escrever desta maneira e, no entanto, Kate Morton fá-lo com profissionalismo e facilidade.
Há dias na nossa vida em que não desejamos “puxar pela cabeça”. Só queremos estar num canto, embrenhados num livro que tenha uma boa história, uma caneca de leite quente na mão e um sofá confortável. É para isso que a paraliteratura serve. E Kate Morton oferece ao leitor precisamente o que ele/a deseja: horas infindáveis de entretenimento.
Afinal, a vida não é feita só de Dostoievskis.
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