Oh,vós
que entrais, abandonai toda a esperança!. Quem nunca ouviu ou leu esta famosa frase? Aparece no
filme Pirata das Caraíbas, aparece no livro Psicopata Americano,
de Brett Easton Ellis, aparece no jogo World of Warcraft. Mas, à exceção
do povo italiano, que estuda esta obra-prima nas escolas, poucos sabem de onde
vem esta citação.
E poucos
atualmente sabem que, durante muito tempo, as pessoas acreditavam em patamares
do céu, do purgatório e do inferno. Ou seja: consoante o crime/pecado que
alguém cometia, essa pessoa era enviada para o 1º, 2º ,3º até ao 7º círculo do
Inferno. Daí as expressões “ir para o quinto dos infernos”, “estar nas sete
quintas”: estas são ecos de crenças já passadas. Não foi Dante quem inventou
esta hierarquia dos espaços infernais e celestiais, mas ele claramente
aprimorou esta superstição, com alguns toques modernos.
Dante foi o
Camões e o Cervantes da Itália. A Divina Comédia é O livro da
Itália, sim, mas também é a trilogia que anunciou a chegada do Renascimento e,
por muito estranho que vos pareça, esta é uma obra que influenciou o nosso
pensamento, mesmo que nunca tenhamos lido um único verso desta obra-prima. Ora,
vejamos:
1- Foi Dante quem influenciou a imagem que
temos do Céu, do Purgatório e do Inferno. Já afirmámos acima que não foi ele o
autor das hierarquias celestiais, mas foi ele quem as cristalizou e eternizou.
Depois desta obra-prima, a imagem que temos dos mundos depois da morte passou a
ser aquela descrita por este génio. No entanto, ele deu-lhes um toquezinho
especial: o arrependimento, por exemplo, pode fazer com que uma alma saia de um
círculo do Inferno e consiga subir para um círculo melhor. É como se o castigo
eterno fosse uma dívida que precisa de ser paga e, uma vez saldada, a alma pode
ser salva. Ou seja, Dante introduziu a Esperança na vida depois da
morte;
2- Dante fundiu o Paganismo com o
Cristianismo de uma maneira hábil e elegante e, por muito estranho que nos
pareça, o espaço do Céu apresenta mais sexualidade e desejo do que o próprio
Inferno: é através do livro III – sim, esta obra é uma trilogia – que este
escritor/poeta revela muito do seu amor e desejo pela única mulher que ele amou
em toda a sua vida, uma jovem chamada Beatriz que morreu cedo demais, e que foi
amada à distância pelo autor;
3- Beatriz transformou-se no ideal da
Mulher: bela, doce, inteligente, elegante, discreta, virtuosa. Presente, mas
distante, ao mesmo tempo. É esta mulher – cujo rosto desconhecemos – que
inspirou toda uma legião de pensadores, autores, artistas, teólogos, e – ainda
hoje! – faz parte do nosso imaginário coletivo;
4- É graças a Dante Alighieri que o
Vernáculo Florentino Toscano– ou seja, a língua comum, falada nesta região que
agora pertence a um país chamado Itália - passou a ser chic. Antes, este
género era sempre escrito nas línguas “superiores”: o Latim e o Grego. Aliás,
esta obra fez tanto, tanto sucesso, que todos os reinos desta zona que hoje
chamamos “Itália” decidiram aprender o Toscano Florentino, para poderem ler
esta epopeia. Resultado? Hoje, a língua Florentina-Toscana deu origem à língua
italiana;
5- E é melhor nem falarmos de todas as
acusações a figuras célebres, personagens históricas, ditadores, e muito, muito
mais…
Muito mais
podia ser dito, mas o texto já vai longo. E não, não é para rir: a palavra
“Comédia”, no século XIV, tinha um outro significado. A palavra italiana commedia
referia-se a qualquer narrativa que tinha um final feliz.
A nossa
biblioteca possui a tradução de Vasco Graça Moura, uma tradução que foi muito
polémica, na altura em que foi feita e que, no entanto, não deixa de ter o seu
mérito.
Este
clássico não é para qualquer um. Só as mentes muito maduras e muito
inteligentes conseguem penetrar nos mistérios desta epopeia. Por isso mesmo,
guardem esta leitura para o momento certo das vossas vidas.
Até lá,
esperamos que esta análise vos tenha aguçado o apetite e a curiosidade.
Imagens
retiradas daqui e daqui.
Para mais
informações sobre esta obra:
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