Se olharmos só de relance, parece que estes dois grandes
clássicos da Literatura Mundial não podiam ser mais diferentes um do outro: no
1º caso, temos a história bizarra de um homem imortal que acorda no corpo de
uma mulher; no 2º caso, assistimos às aventuras de uma menina que persegue um
coelho com um relógio e, como consequência, vai parar a um reino mágico. Mais
ainda, Alice no país das maravilhas parece ser um livro para crianças e,
na verdade, nada mais é do uma iniciação ritualística a uma série de crenças
ligadas a duas sociedades esotéricas: A sociedade Rosacruz e a Teosofia. E
estas são as conclusões a que chegamos SÓ de olharmos de relance.
Na verdade, estamos a lidar com duas obras-primas da
literatura inglesa que não podiam ser mais emblemáticas do mal-estar do século
XIX inglês: tanto Orlando como Alice focam a questão da Realidade
VS Fantasia. Numa época em que a Ciência estourava em todos os departamentos – Biologia,
Psicologia, Arqueologia, Geologia, Medicina, Química, etc. – a realidade simples
e prática da “Velha Sociedade” estava em cacos. O mundo da Astronomia e da
Física tinham sofrido abalos gigantescos como, por exemplo, a descoberta da
teoria da relatividade, de Einstein, em 1905. No entanto – e isto é fascinante!
– há muitas passagens da obra de Lewis Carroll que parecem já apontar para
essas conceções do espaço e do tempo, apesar de Alice ter sido publicada
40 anos antes de Einstein escrever os seus ensaios!!
Orlando é outro episódio da literatura mundial bastante interessante: escrito
com o objetivo de satirizar o género biográfico – estava na moda toda a gente
famosa publicar a história da sua vida – Woolf foi buscar inspiração à vida
atribulada da sua grande amiga e amante Vita Sackville-West. Aliás, segundo a
própria autora deste livro, Orlando é esta mulher fabulosa. E é aqui que as
coisas se tornam interessantes: por detrás dos relatos – para a época –
“picantes” desta personagem-camaleão, há também alusões à angústia do Tempo
que, segundo o poeta Baudelaire, nada mais era do que um “momento fugidio”.
Segundo os modernistas do século XIX, se não fosse o chão e a segurança do
passado, o presente enlouquecer-nos-ia. Porque tudo é vago, fugidio,
passageiro, tudo muda e morre. E, de facto, Orlando muda. Mas não morre. Depois
de levar a sua metade da vida masculina “sempre atrasado”, sempre sem tempo,
Orlando acorda no corpo de uma mulher que parece encontrar finalmente a paz. Há
quem diga mesmo que este livro pondera a possibilidade da existência de
universos paralelos: algures, existe alguém igual a nós, mas esse outro “nós” é
do sexo oposto. Se calhar, o que nós vimos não foi uma transformação, mas sim,
uma espreitadela para o “outro lado do espelho”.
A equipa da biblioteca aconselha os leitores a lerem estes
dois livros um a seguir ao outro. E saquem de um caderno de apontamentos e de
uma caneta. Vocês irão ficar espantados com a quantidade de pontos em comum que
as duas histórias focam. Mas não se percam nestes dois labirintos narrativos:
há sempre um chocolate quente à espera de vocês, neste mundo material.