O Perfume, de Patrick Süskind
O que se passa por dentro da cabeça de um psicopata? Como verá ele o mundo, as pessoas, tudo o que o rodeia? Será possível que não sinta absolutamente nada, como as lendas assim o dizem, que é apenas uma criatura negra, fria como o gelo, que só consegue sentir qualquer coisa quando mata? Ainda hoje esta patologia permanece um mistério. Não se sabe se este monstro humano em questão já nasce com a sua mente deformada ou se a sociedade se encarrega de o fazer. E ainda acresce o facto de que, muitas vezes é confundido com outro tipo de monstro urbano: o sociopata.Segundo a página da Wikipédia que consultámos(http://pt.wikipedia.org/wiki/Psicopata), a psicopatia é um distúrbio mental grave caracterizado por um desvio de carácter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo , falta de remorso e culpa para actos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições. Apesar da psicopatia ser muito mais frequente nos indivíduos do sexo masculino, também atinge as mulheres, em variados níveis, embora com características diferenciadas e menos específicas que a psicopatia que atinge os homens.
O perfil dos humanos que sofre deste distúrbio de personalidade costuma ser geralmente (mas nem sempre!) o perfil de alguém cuja presença pode ser positivamente encantadora, facilmente conquistam corações, são conhecidos como sendo gente pacata, que não faz mal a uma mosca, gostam de estar integrados nas actividades da terra e da comunidade escolar e apresentam um quociente de inteligência elevado. Porém, como já dissemos acima, este é o quadro geral (há vários graus de psicopatia) e, embora já se conheçam algumas características que, juntas, podem indicar uma possível tendência para a psicopatia, ainda é virtualmente impossível detectá-los… antes de começarem a matar. E nem todos matam. E quem é que ainda não se lembra do crime macabro daquele estudante de faculdade exemplar que, há uns meses atrás, matou friamente a sua mãe porque, segundo o mesmo, “ela era uma chata”?
O “herói” do nosso livro da semana é, para todos os efeitos, um psicopata: à excepção do seu prodigioso génio para criar perfumes, não sente a mais pequena das emoções quando lida com humanos. A sua única paixão é o mundo dos aromas: dono de um faro requintado e terrivelmente apurado, a alma de Jean Baptiste Grenouille só se ilumina perante o odor de uma flor, de um chocolate, do cheiro da água ou da terra. E tudo o que cheire a “humano” é pestilento, gangrenoso, pútrido. A Humanidade, neste livro, está sempre associada ao lixo, à podridão, ao peixe em estado de decomposição. Aliás, o romance começa precisamente com a descrição de Paris, no século XVIII: Na época de que falamos, reinava nas cidades um fedor dificilmente concebível por nós, hoje. As ruas fediam a merda, os pátios fediam a mijo, as escadarias fediam a madeira podre e bosta de rato; as cozinhas, a couve estragada e gordura de ovelha; sem ventilação, salas fediam a poeira, mofo; os quartos a lençóis sebosos, a húmidos colchões de pena, impregnados do odor azedo dos penicos (...) Os homens fediam a suor e a roupas não lavadas; da boca eles fediam a dentes estragados, dos estômagos fediam a cebola e, nos corpos, quando já não eram mais bem novos, a queijo velho, a leite azedo e a doenças infecciosas. Fediam os rios, fediam as praças, fediam as igrejas, fedia sob as pontes e dentro dos palácios. Fediam o camponês e o padre, o aprendiz e a mulher do mestre, fedia a nobreza toda, até o rei fedia como um animal de rapina, e a rainha como uma cabra velha, tanto no verão quanto no inverno. E é precisamente todo este cheiro “humano”, ligado à sujidade e à Morte, que irá afectar Jean Baptiste para o resto da sua vida, ganhar um asco tremendo ao “bicho Homem” e empurrá-lo para todo o sempre para um mundo de paz, que são os aromas da Natureza. Curiosamente, este mesmo homem que não suporta o cheiro dos da sua espécie… não tem qualquer cheiro, nem mesmo quando era um bebé. E Isto é de tal forma bizarro e esquisito que a camponesa, que o estava a amamentar na ausência de uma mãe morta, cria um medo instintivo à criança e depressa a abandona (como veremos mais tarde, o seu instinto estava bem certo…)
Mas não se pode fugir do impulso sexual: quando Jean Baptiste acorda para a adolescência, há determinados “perfumes” que começam a mexer com a sua psique: o perfume da pele de certas jovens, sempre ruivas. E é neste momento que o nosso anti-herói descobre a sua verdadeira alma: num acesso de paixão (se é que se pode chamar “paixão” a isto) mata a sua primeira donzela ruiva, na ânsia de se apoderar do seu odor. A partir daqui, a sua obsessão é só uma: conseguir captar esse aroma particular e fazer dele o perfume de todos os perfumes. Nem que isso o leve à sua própria morte. E levará: será morto da forma mais horripilante… e por uma multidão apaixonada por ele.
Isto aqui não é o Dan Brown nem Margarida Rebelo Pinto: se estão à espera de leitura cor-de-rosa, própria para uma tarde preguiçosa de férias, não contem com tal. O Perfume é uma viagem sinistra à alma Humana e daquilo que certos humanos são capazes de fazer. Está soberbamente bem escrito, e não se espantem se, ao longo deste romance, não sentirem várias vezes uma enorme vontade de se enfiarem debaixo do chuveiro. “Como é que as pessoas viviam assim???” é o que muitos de vocês perguntarão, durante a leitura desta obra-prima.
Onde acaba a Loucura e começa a Maldade? Bela pergunta, e hoje é cada vez mais difícil ver-se a diferença entre um mal e o outro.