Não é por
acaso que estes dois “livros da semana” aparecem, desta vez, agarradinhos um ao
outro: não só servirão como tema para as próximas “StorytellingTime” – projeto
“Escola a Ler” – no final deste mês, como também abordam o mesmo assunto:
amores e desamores da famosa Aristocracia do século XIX. Para terminar com
chave de ouro, estas histórias foram escritas por mulheres do século XXI.
Sim, o
assunto é sem dúvida o mesmo. Mas precisamente porque as escritoras são do
nosso tempo, a forma como elas descrevem esta elite é – admitamos – um
bocadinho nostálgica, mas arguta: por um lado, há muito frou frou, muita
beleza, requinte, elegância, romantismo. Estes romances acabam por ser uma
espécie de “conto de fadas” para as jovens e mulheres maduras. Por outro lado,
este mundo muito bonito já não é um mundo “Disney”: Julia Quinn e Gigi Griffis
não escondem o facto de que a condição do sexo feminino não era das melhores
coisas que existiam no século XIX, e as mulheres nada mais eram do que
mercadoria para ser trocada, sempre que era necessário fazer contratos com
outras famílias ricas. Sejamos honestos: estas belas e requintadas moças da sociedade
eram “vendidas” pelos pais, para fins de trocas comerciais. Apesar de tudo,
havia sempre a esperança de elas poderem encontrar o “Homem certo” e, desta
forma, serem felizes nas suas prisões douradas.
Outro ponto
a ter em conta: A Imperatriz é um livro baseado na história real da imperatriz
Sissi da Áustria. Aliás, este romance deu origem a uma série da Netflix, que
está a ter muito sucesso de audiências. Descreve o encontro entre Sissi e o
imperador austríaco Franz até ao dia do casamento. Por isso mesmo, o futuro
trágico e negro da nossa heroína não é mencionado. Ficamo-nos pelo lindo conto
de fadas de dois aristocratas que se encontram, e que se apaixonam um pelo
outro.
Bridgerton, por outro lado, é toda uma série de
livros fictícia, que tem lugar na Inglaterra do século XIX. Julia Quinn é, para
todos os efeitos, a Barbara Cartland do século XXI: as histórias leem-se
bem, agradam a uma audiência feminina (mas também há um clube de fãs masculino),
têm como único objetivo entreter – e nada mais. E não há nada de errado nisso.
Nem sempre um livro tem que mudar um mundo. Outra curiosidade a apontar é o
facto de que Bridgerton é um conjunto de nove volumes, dedicados a cada
um dos oito irmãos desta família (o último é um epílogo e mostra o final de cada
um deles), e cada uma das histórias pode ser lida separadamente.
Mas… então…
para quê tanta polémica à volta deste universo??
A culpa, mais uma vez, é da Netflix. A obsessão da “inclusão e diversidade” – custe o que custar – gerou uma
série de televisão em que famílias negras e indianas convivem lado a lado com a
aristocracia branca do século XIX… e até a rainha de Inglaterra é negra! Nada
disto é historicamente correto: havia sem dúvida famílias aristocráticas
africanas e asiáticas, mas essas não punham os pés no palácio de Buckingham.
Muita gente alertou – e com toda a razão! – para o facto de que muitos jovens
não caucasianos de hoje começarem a acreditar que, no passado, todos eram
tratados como igual, apagando, assim, todo o sofrimento e luta pela igualdade
dos cidadãos “de cor”. Tais opiniões obrigaram a Netflix a deixar bem claro aos
fãs que este mundo é uma “realidade alternativa”, onde as desigualdades
continuam a existir, mas estas estão mais ligadas às desigualdades sociais e
não rácicas. Escusado será dizer que a escritora Julia Quinn – que imaginou um
universo monárquico mais historicamente correto, ou seja, é só brancos! - aceitou
as mudanças e adora a série.
Aliás: o
mais interessante a apontar nesta polémica não foi o facto de as massas ficarem
em estado de choque, ao verem um negro e uma branca fazerem amor. O que mais
chocou as audiências foi o facto de um casal destes não poder existir na “Era da
Regência Britânica” do século XIX, e, por isso mesmo, esta intriga é
historicamente incorreta. E isto faz-nos chegar a uma conclusão: ao contrário
do que os media dizem, os humanos hoje são bem menos racistas do que
eram há 100 anos. Chegámos a um ponto em que dois seres humanos com
pigmentações diferentes podem casar-se, ter filhos, desempenhar os mesmos
empregos e conviver na mesma classe social. E poucos franzem o sobrolho.
Graças a Deus. Afinal, em alguma coisa nós tínhamos que avançar, não é?
As capas dos dois livros foram retiradas do site de compras WOOK.