A Divina Comédia de Dante Alighieri
De todos as obras escritas pela
Humanidade, a Divina Comédia tem sido
aquela que mais paixões, mais fascínio e mais polémica tem criado. Altamente
simbólica; carregada de críticas ferozes à sociedade de então; extremamente
influenciada pela fé Católica, embora a mesma seja olhada de uma maneira mais
pessoal; um verdadeiro baú de ocultismo, numerologia, mitologia greco-romana e
cosmologia religiosa; este longo poema, dividido em três partes (Inferno,
Purgatório e Paraíso) é, para os Italianos, o que Os Lusíadas é para os Portugueses. As grandes grandes grandes obras-primas contam-se pelos
dedos e, pelos vistos, cada nação tem a sua.
Porém, o que
significa, antes de mais, a palavra “Comédia”? É que basta lermos as três
primeiras páginas desta obra para chegarmos à conclusão de que esta é tudo
menos cómica. Ora, a palavra “comédia” sofreu uma evolução semântica, isto é, o
vocábulo é o mesmo mas o seu significado modificou-se. Originalmente, este
significava “poema narrativo”. Assim, o título deste livro pode ser entendido
como sendo uma espécie de “Divina História da Vida Humana”. Agora, as coisas já
começam a fazer sentido…
Dante viveu num
século e numa região da Europa onde o Inferno, o terror das chamas eternas e o
castigo divino eram factos e não lendas (século XIII, Itália, mais
concretamente a região Toscana). Pior ainda, devido às suas constantes ideias
políticas, foi exilado. É nesse período conturbado, cheio de guerras e de
terrores profundos, que Dante escreve a Divina
Comédia. E não é muito difícil percebermos a razão por que foi exilado: não
só este autor se atreve a colocar figuras importantes e altamente poderosas da
época nas chamas do Inferno, como também a sua fé religiosa era várias vezes
contrária aos Cânones da Igreja Romana. A título de exemplo, Dante acreditava
firmemente que o arrependimento ajudava sempre a alma a ascender. A pior alma
humana, através deste sentimento doloroso, poderia lentamente sair do Inferno,
chegar ao Purgatório e, finalmente limpa de toda a maldade, ascender ao Céu.
Tal ideia era liminarmente rejeitada pelo papa: o medo do castigo eterno era
muito muito conveniente para os poderosos de então…
Muito mais
poderíamos dizer deste génio da literatura, mas o artigo já vai longo. Vasco
Graça Moura criou uma das mais polémicas traduções desta obra, bastante “livre”
e pouco interessada no purismo da forma. Infelizmente, a literatura –
particularmente a poesia- sofre de uma grande falha: ao contrário da música,
pintura ou fotografia, a barreira da língua é sempre um inconveniente e, por
mais “perfeita” que uma tradução seja, há sempre algo que se perde. Sobra-nos,
assim, o conceito, a ideia, a beleza da metáfora.
Talvez um
dia a Humanidade invente uma máquina que ajude o nosso cérebro a decifrar TODAS
as línguas…