sexta-feira, março 17, 2017

Livro do mês - A Divina Comédia, de Dante Alighieri


A Divina Comédia de Dante Alighieri

           
          De todos as obras escritas pela Humanidade, a Divina Comédia tem sido aquela que mais paixões, mais fascínio e mais polémica tem criado. Altamente simbólica; carregada de críticas ferozes à sociedade de então; extremamente influenciada pela fé Católica, embora a mesma seja olhada de uma maneira mais pessoal; um verdadeiro baú de ocultismo, numerologia, mitologia greco-romana e cosmologia religiosa; este longo poema, dividido em três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso) é, para os Italianos, o que Os Lusíadas é para os Portugueses. As grandes grandes grandes obras-primas contam-se pelos dedos e, pelos vistos, cada nação tem a sua.
            Porém, o que significa, antes de mais, a palavra “Comédia”? É que basta lermos as três primeiras páginas desta obra para chegarmos à conclusão de que esta é tudo menos cómica. Ora, a palavra “comédia” sofreu uma evolução semântica, isto é, o vocábulo é o mesmo mas o seu significado modificou-se. Originalmente, este significava “poema narrativo”. Assim, o título deste livro pode ser entendido como sendo uma espécie de “Divina História da Vida Humana”. Agora, as coisas já começam a fazer sentido…
            Dante viveu num século e numa região da Europa onde o Inferno, o terror das chamas eternas e o castigo divino eram factos e não lendas (século XIII, Itália, mais concretamente a região Toscana). Pior ainda, devido às suas constantes ideias políticas, foi exilado. É nesse período conturbado, cheio de guerras e de terrores profundos, que Dante escreve a Divina Comédia. E não é muito difícil percebermos a razão por que foi exilado: não só este autor se atreve a colocar figuras importantes e altamente poderosas da época nas chamas do Inferno, como também a sua fé religiosa era várias vezes contrária aos Cânones da Igreja Romana. A título de exemplo, Dante acreditava firmemente que o arrependimento ajudava sempre a alma a ascender. A pior alma humana, através deste sentimento doloroso, poderia lentamente sair do Inferno, chegar ao Purgatório e, finalmente limpa de toda a maldade, ascender ao Céu. Tal ideia era liminarmente rejeitada pelo papa: o medo do castigo eterno era muito muito conveniente para os poderosos de então…
            Muito mais poderíamos dizer deste génio da literatura, mas o artigo já vai longo. Vasco Graça Moura criou uma das mais polémicas traduções desta obra, bastante “livre” e pouco interessada no purismo da forma. Infelizmente, a literatura – particularmente a poesia- sofre de uma grande falha: ao contrário da música, pintura ou fotografia, a barreira da língua é sempre um inconveniente e, por mais “perfeita” que uma tradução seja, há sempre algo que se perde. Sobra-nos, assim, o conceito, a ideia, a beleza da metáfora.

            Talvez um dia a Humanidade invente uma máquina que ajude o nosso cérebro a decifrar TODAS as línguas…