“E eu? Nem um passo na lua conseguiria dobrar, quanto mais levantar-me daqui, deste ninho. Tão acomodado às filas dos fundos. Daqui, temos uma visão privilegiada do mundo. Desse mundo de poucas paredes, mas de muitas filas. Esse mundo há-de ter muitas noites de loucura. Habitado por suores, calafrios…só eu sei…sei lá, se só eu. Mas prefiro adormecer nos meus sonhos a ter de ultrapassar todas essas linhas. Cada uma delas tão abandonada a si própria.
Enfim…é aqui que quero ficar, enfiado, instalado. Venham lá os da fila de lá … esses sim fizeram uma cura. Passam as manhãs a sonhar. Parecem girassóis acordados, cheios de luz, sempre a saltar de letras em letra. Como insectos, zumbindo…sorrindo. Deitados ao vento…não sei, talvez à procura dum cheiro que os faça despertar. Mas eu, não…nem acordado conseguiria voar. Ainda mais, daqui, tão longe. A ver esses rostos dobrados de ilusões.
E eu? Que faço eu, aqui, tão distante de mim? Se quero acordar? Não, para ficar para trás, não! Prefiro deambular por aqui. Longe desses de lá.
Também tenho cores nestas filas. Mesmo que sombrias e curtas. Também têm cores. Deixem a luz passar cá prás filas do fundo e depois digam-me, que não, que não tenho cor. Já sei, por bem grande que essa seja, nunca iluminará estes olhares resignados. Parecem os céus das galáxias que só vemos para lá de lua. Tão divertidos. Tão coloridos. Tão anónimos, tão distantes…talvez também eles se torturem por se encontrarem tão afastados, nessas filas.
Sei lá, vais ver que também eles sofrem de solidão. Os astros não sofrem, quanto mais de solidão. Podem estar tristes e perguntarem-se: Por que não nascemos nós perto do sol, nas filas da frente, numa órbita? Aí sim, mesmo nessas mesas da frente, antes da lua. Aí sim, tudo é luz, mesmo a noite tem luz, mesmo a sombra tem luz. Aí sim, crescem girassóis, e giram em volta de tudo. Envoltos em lutas marginais, para matar todas essas saudades dos sonhos. Aí sim, há sonhos, há cores.
Mas…sei lá…eu sempre estive aqui. Fui criado aqui…parece-me tão grande estar aqui. Daqui vemos rostos miúdos envoltos em sabores de verão. Deliciados, porque gravitam de tão leves que são. Não me vejo assim.
Sim, se fosse levado a correr daqui, por alguma tempestade de vozes, de sons mais claros! Por alguma chuva de cores, pura, cristalina, sedutora, fascinante. Aí sim. Levado por tantas forças sobrenaturais, aí sim chegaria a deixar estas filas. Mas, eu! Eu não. Eu, não. Sozinho não. Sozinho hei-de continuar por aqui, nas filas de trás. À espera, talvez, dessa tempestade de vento colorido.”
Depois de o ouvir dizer isto, fiquei a matutar. Deitei-me no meu luar, a pensar…comprometido, talvez…será que eu sou um “colaborador”? Não! Não, não! Eu, que nunca tive medo de saltar filas. Eu, sempre estive frente à luz. Ali, bem na frente, junto ao mar. Senti aqueles cheiros espessos, incolores. Já mesmo na Faculdade brilhava naquelas filas dianteiras. Eu, não!
Mas… Continuava encurralado, comedido no meu olhar. Culpado? Não! Mas não conseguia olhar para o lado. Muito lentamente, o meu íntimo fora contagiado por uma sensação estranhíssima. Sentia-me assaltado por uma dúvida já tardia:
e se um dia eu tivesse pertencido às filas do fundo?
De: João Rodrigues
Ilustrações retiradas de:
http://www.hss.state.ak.us/gcdse/history/HTML_Content_Main.htm
http://www.chinadaily.com.cn/english/doc/2005-11/03/content_490664.htm
http://www.dailyyonder.com/half-southern-public-school-students-now-low-income
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