sábado, julho 04, 2009

Poesia Matemática

     millor                                            Millôr Fernandes

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.


Texto extraído do livro "
Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
Tudo sobre Millôr Fernandes e sua obra em "Biografias".

quarta-feira, julho 01, 2009

Morreu Pina Bausch

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A maior parte dos portugueses nunca ouviu falar dela. Porém, para o mundo das artes, particularmente o mundo da dança, Pina Bausch é um ícone, uma lenda que, hoje sabemos, vinha sofrendo de um cancro destrutivo, que lhe levou a luz dos palcos e a clarividência dos visionários. Cinco dias antes, os médicos detectaram-lhe este monstro maligno no corpo, cinco dias depois morria na sua terra natal, Wuppertal, Alemanha, com apenas 68 anos.

Extraordinariamente tímida, refugiava-se no silêncio, na música, na leitura e nos amigos (sempre, sempre os mesmos). E refugiava-se nos cigarros. Eram estes que a mantinham calma nas entrevistas, pois não sabia o que fazer com as mãos, nesses momentos de agonia em que mais tinha que se expor.

Quando em 1973 iniciou a sua carreira como coreógrafa, o mundo não estava preparado para ela. Bailarinos que gritavam, que choravam, que riam no palco, gestos que se repetiam até à exaustão, tudo isto deixou mais da metade da Alemanha em choque, enquanto a restante parte a aplaudia entusiasticamente. Pouco a pouco, impôs o seu estilo, fez escola, granjeou respeito e admiração.

Até ao fim, confiou sempre no seu instinto. Se no início da sua carreira apostou na tristeza, na depressão, na fúria e na redenção, tornou-se com o tempo mais “sossegada”, mais serena, mais “tradicionalista”. Mas o génio, esse, foi sempre o mesmo.

Hoje, os palcos de todo o mundo ficaram mais vazios…

Vídeo: princípio do filme “Fala com Ela”, de Almodovar. Coreografia de Pina Bausch