O Romance de Genji, de Murasaki Shikibu
Considerada a Bíblia Literária do Japão (tem o mesmo valor que Os Lusíadas, para os Portugueses), custou muito aos Japoneses admitir que a sua maior obra-prima tenha sido escrita por uma mulher cortesã dos séculos XI e XX d.C..
Ao princípio, houve uma forte resistência para assumir este facto, e muitos afirmavam que o “belo sexo” era demasiadamente estúpido para conceber um romance tão belo e tão complexo. Todavia, estudiosos zelosos e apaixonados da obra não hesitaram em chamar a atenção para certos pormenores que comprovam o sexo do autor deste gigantesco épico. Para começar, os manuscritos originais estão escritos na linguagem Kananbugaku (imagem em baixo, à direita. Manuscrito preservado de um dos contos de Genji), uma espécie de escrita inventada pelas mulheres da Corte japonesa, e que não passa de uma imitação dos sons da fala. Com efeito, o sexo feminino estava proibido de ler e de escrever na “Língua Culta”, ou seja, uma língua fortemente influenciada pelo Mandarim e, por isso mesmo, eram muitas as palavras que elas desconheciam. Estavam autorizadas a falar uma linguagem vulgar e constituída apenas por palavras japonesas. Ora, se tivesse sido um homem a escrever o Romance de Genji, não só essa “Língua Superior” saltaria à vista como, melhor ainda, nem sequer teria sido transposto para uma escrita “reles”, que só o “mulherio” usava. Sabe-se também hoje que a parte final deste romance foi da autoria de várias pessoas, pois há uma enorme disparidade entre os estilos literários e até uma certa descontinuidade na própria história do livro.
O que há de mais extraordinário neste romance é o “olho de águia e ouvidos de raposa” que Murasaki deve ter tido, para escrever este colossal livro: as intrigas da Corte são uma constante e a nossa autora conhece muito bem os meandros da política, os joguinhos de poder, as guerras entre famílias feudais, a mentalidade masculina e os seus desejos eróticos. Dir-se-ia que Shikibu levou a sua vida (cerca de cinquenta anos) a colar o ouvido às paredes do palácio, sequiosa de notícias e de “mexericos” imperiais. Mais ainda, a autora consegue mesmo sugerir muito subtilmente que muitas das intrigas sexuais e sensuais das personagens vêm detrás: da família do passado. A sexualidade neste romance está cheia de fantasmas e de assuntos que ficaram por resolver, algo que, diga-se de passagem, é bastante moderno para a época. Tivesse sido um homem, e Murasaki teria dado um excelente político. Mas como nasceu mulher, o mundo ganhou uma das maiores obras-primas da Literatura Mundial.
Outro factor a ter em conta é a forma como o tempo é tratado: ao contrário dos romances da época, os heróis e os vilões envelhecem e adoecem, uns mais devagar, outros mais depressa, tal como na vida real. São seres humanos: respiram, cheiram, choram, têm fraquezas e ataques de ira, amam e odeiam, os cabelos caem, as costas doem. Por fim, a vida do dia-a-dia também faz parte deste livro: come-se, bebe-se, dá-se um passeio, fala-se de coisas frívolas, sem importância. E, como o mundo stá cheio de milhares de seres humanos que se cruzam e interagem uns com os outros, O Romance de Genji está a abarrotar de centenas de personagens, o que torna a obra, ao princípio, bastante confusa para um leitor ocidental, acostumado àquilo que se chama a “economia da narrativa”.
Belo, esplendoroso, magistral, erótico, maquiavélico.
Nunca mais o mundo escreverá histórias como esta.
Imagem retirada de:
http://www.goodreads.com/book/show/6535924-o-romance-de-genji
1 comentário:
Adorei este livro. É muito grande (vê-se mesmo que esta mulher teve todo o tempo do mundo para escrevê-lo) mas devora-se de página a página. Recomendo-o a toda a gente.
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