Para festejarmos os 100 anos da Implantação da República, precisaríamos de um símbolo que mostrasse até que ponto o dia 5 de Outubro contribuiu para a criação de um novo e mais igualitário Portugal. E dizemos “começou” porque muitos sonhos e projectos que o sonho da República prometia a muitos portugueses demoraram muito tempo a chegar. De facto, devemos mais as grandes e revolucionárias mudanças ao 25 de Abril de 1974 do que propriamente ao 5 de Outubro de 1910.
Um dos grupos que mais foi “traído” pelas promessas da República foi o grupo das mulheres: tinham-lhes prometido o voto e a igualdade dos sexos e estas “juras de amor” foram muito convenientemente esquecidas, assim que os Republicanos tomaram o poder. As Portuguesas, vendo os seus sonhos e projectos destruídos, encolheram os ombros e, muito obedientemente, como a sociedade e os padres mandavam, resignaram-se, calaram-se e voltaram aos seus tachos e panelas. Porém, uma delas deu um belo murro na mesa e decidiu dar luta aos novos poderosos da nação. Chamava-se Carolina Beatriz Ângelo e foi a primeira mulher a votar em Portugal.
Mas comecemos pelo início: corria o ano de 1893 quando a Nova Zelândia espantou o planeta inteiro ao decidir autorizar o voto às mulheres. Tal decisão foi tão revolucionária que sacudiu os governos e monarquias dos quatro cantos do mundo. De repente, todas as “burras de saias” do mundo ocidental começaram a reclamar exactamente a mesma coisa, para grande frustração de muitos políticos, padres e chefes de família. Aos Republicanos convinha-lhes bastante cativar a seduzir a segunda metade da Humanidade e, por isso mesmo, não lhes custou mentir com quantos dentes tinham na sua boca. “Fiquem do nosso lado e terão a igualdade com que sempre sonharam”, prometiam eles. E muitas mulheres portuguesas acreditaram neles.
Como toda a gente sabe, o dia 5 de Outubro foi a hora da verdade para Portugal… e pouco ou nada mudou para as mulheres. Mas Carolina Beatriz Ângelo não era uma “mulherzeca” qualquer: era apenas uma senhora cultíssima e, ainda por cima, a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José. E, sendo um ser humano inteligente e manhoso, aproveitou o “buraco” da primeira lei eleitoral publicada pelo poder Republicano: segundo a mesma, só os chefes de família que soubessem ler e escrever estavam autorizados a votar. Ora, Carolina preenchia os requisitos todos da lei: tinha mais de 21 anos, sabia ler e escrever e era chefe de família, uma vez que o seu marido tinha falecido recentemente.
Quando exigiu ser recenseada, o seu pedido foi recusado pois Carolina não pertencia ao sexo masculino e, consequentemente, não tinha “cabecinha” para decidir o que era melhor para o país. Revoltada, meteu em tribunal a Comissão Recenseadora, e o juiz João Baptista de Castro, também ele um homem “de vistas largas”, chocou o país com estas famosas palavras: Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano. (…) Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral». E no dia 28 de Maio de 1911 fez-se História: Carolina, orgulhosa e altiva, depositou o seu voto no meio de uma multidão totalmente masculina. Este caso foi tão espectacular que os jornais do mundo inteiro o mencionaram. Carolina Beatriz Ângelo chegou a ser falada e discutida no palácio de Buckingham, a humilde casinha dos reis de Inglaterra. E escusado será dizer que, por causa desta fantástica senhora doutora, a lei mudou: depois deste pequenino e incómodo incidente, só os chefes do sexo masculino foram autorizados a votar. Olhem para a imagem em baixo e confirmem…
Ao contrário do que a sociedade machista e ultra-católica portuguesa dizia das mulheres “progressistas” – eram umas “machonas” feias e bigodudas, que não tinham jeito para o amor e nenhum homem as queria - Carolina Beatriz Ângelo adorava a companhia dos homens, foi feliz no seu casamento, foi uma boa profissional e era vaidosa, como todas as mulheres que se prezam. Ela não queria tomar o poder dos homens. Apenas queria ter acesso aos mesmos direitos que o sexo masculino tinha. E não ficou passivamente à espera de que eles caíssem do céu.
Ainda hoje é um exemplo a seguir para muitos portugueses.
Imagens retiradas de:
http://marcasdasciencias.fc.ul.pt/pagina/fichas/sujeitos/dominio?n=40&c=item.nome&d=asc&i=80
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