Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski
É fácil matar? Ora, aí está uma pergunta muito interessante e, ao mesmo tempo, assustadora. Normalmente, os professores de Filosofia adoram colocá-la aos seus alunos e, sempre que o fazem, estão garantidos uns bons trinta minutos de aceso e apaixonado debate.
O sentimento da culpa tem sido sempre analisado e discutido no mundo da Literatura, mas nunca foi o tema central de uma narração ou poema. Normalmente, os remorsos (ou a ausência dos mesmos) surgiam já no fim da história, quando o “mau da fita”, já velho e abandonado, pedia desculpas à pobre vítima por tudo o que fez. Foi Dostoiévski (ver imagem, em baixo) o primeiro escritor a dissecar este “peso na consciência” de uma maneira bastante revolucionária e moderna, ou não fosse ele considerado, actualmente, como um dos pais do “romance psicológico”. Escrito no ano de 1866, a obra Crime e Castigo aborda o sentimento da culpa, e faz deste o tema central deste romance: poderá alguém matar alguém e nunca sentir remorsos pelo que fez?
A personagem principal deste livro, Raskolnikov, é um professor de línguas. Todavia, a sua extrema pobreza revolta-o, a cada dia que passa (não nos esqueçamos que, durante milhares de anos, o salário dos professores foi verdadeiramente miserável. Ainda hoje o é, em muitos países). O curso de Medicina que está tentando acabar é extremamente dispendioso e Raskolnikov, cheio de vergonha, sente-se um fardo para a família, pois é esta que está a pagar, à custa de muitos sacrifícios, os seus estudos. A indignação aumenta quando esta personagem descobre que a sua irmã vai ter que casar sem amor com um homem riquíssimo, de forma a poder equilibrar as finanças dos seus parentes. Sentindo nojo do mundo que o rodeia, Raskolnikov fecha-se no seu quarto e entra num estado de depressão profundo.
É então que lhe surge a ideia de matar uma velha agiota, imprestável e perversa, que vive da miséria e do desespero dos outros e cobre juros impensáveis por cada moedinha que empresta. Raskolnikov planeia o crime e consegue, de facto, assassinar esta mulher. Só que, a meio do caminho, acaba por tirar também a vida à irmã da vítima, pois esta quase que o apanhou em flagrante delito.
Com um punhado de jóias valiosas na mão e duas mulheres mortas na sua consciência, o resto da história será passada numa atmosfera negra e sufocante. Para começar, o polícia detective que o interroga (e desconfia dele desde o início) é um homem muito humano, o que faz com que Raskolnikov se sinta ainda pior consigo mesmo. Mais tarde, um inocente confessa ter morto as duas mulheres (o livro explica porquê). O mal-estar apodera-se dele. E o cerco aperta-se, aperta-se, aperta-se… Confessará o seu crime?
Apesar de esta história já ter passado para o cinema e para a televisão inúmeras vezes, não há filme ou série que consigam ultrapassar a genialidade da escrita de Dostoiévski, não há nada que substitua a leitura deste livro. Pela primeira vez na história da Literatura, a personalidade das personagens são analisadas até ao último pormenor, numa perspectiva bastante “psicanalítica” e “psiquiátrica”. É como se o leitor fosse uma espécie de deus, que entra para dentro da cabeça de alguém, e consegue ler os seus pensamentos até ao último pormenor.
Angustiante e clarividente, eis um romance a não perder!
S.C.
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