Para Inglês Ver
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irónica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
(Excerto do poema Navio Negreiro, de Castro Alves)
Para quem está ou esteve atento às aulas de História, as palavras “navio negreiro” não são desconhecidas. Tratava-se de embarcações que tinham como objectivo capturar negros e “despachá-los” para as zonas de comércio de escravatura.
As condições desses mesmos barcos são lendárias e ainda hoje arrepiam: estes pobres seres humanos eram amontoados como se fossem sacos de batatas, não recebiam quaisquer tratamentos médicos, morriam de fome e as mulheres negras eram sistematicamente violadas pelos marinheiros (para quem quiser saber mais pormenores, consultem o artigo http://www.geocities.com/zumbi2000/trafico.htm). É triste dizer isto, mas foi graças aos portugueses e o seu vasto império que a escravatura foi reintroduzida na Europa e, mais tarde, nos Estados Unidos da América. É uma herança muito dura que o nosso país carrega. Porém, a História é a História, não se pode branqueá-la ou modificá-la. Serve-nos o consolo de sabermos que o Passado oferece-nos sempre lições de vida e pistas para aquilo que será o futuro da Humanidade.
Por volta do século XVIII, o Brasil firmou laços diplomáticos, políticos e económicos com a Inglaterra. Supostamente, um desses tratados tinha como objectivo reprimir o tráfico de escravos. Era suposto as duas nações estarem atentas às chegadas desses navios e impedir que estes “empresários” enriquecessem à custa do sofrimento de muitos seres humanos. O governo brasileiro tinha a obrigação expressa de patrulhar os mares e avisar os ingleses de qualquer embarcação suspeita.
Porém (onde é que já ouvimos isto…), ficou tudo no papel. Segundo o filólogo brasileiro R. Magalhães, (…) o tráfico continuava, fazendo o governo vista grossa à traficância. Dizia-se, por isso, que o nosso patrulhamento era fictício, isto é, apenas para inglês ver, como uma satisfação platónica aos acordos oficialmente firmados.
Desde então, a expressão “para inglês ver” serve para falarmos de algo que é “só fachada”, algo que não passa de uma mentira, de uma farsa. Ou, utilizando uma expressão que já referimos, “atirar poeira para os olhos”.
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