Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei.
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue!
Verdadeiro, encarnado!
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, 1921.
À minha querida Mãe
Eis-me aqui em Portugal
Nas terras onde nasci.
Por muito que goste delas
Ainda gosto mais de ti.
Fernando Pessoa
(Tinha sete anos quando dedicou esta quadra à Mãe)
Foto de Rarindra Prakarsa e desenho de Kathy Pilgrim
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