Mocidade Portuguesa Feminina, de Irene Flunser Pimentel
A primeira coisa que este livro nos transmite é uma sensação de enorme estranheza: estamos a falar de um Portugal que já não existe mas que, bizarramente, ainda está muito perto de nós. Ao lermos esta excelente investigação histórica, apercebemo-nos até que ponto a nossa nação ainda preserva alguns resquícios da mentalidade instituída pelo Estado Novo: obediência servil, pouca capacidade de raciocínio e de pensamento próprio, o culto dos chefes e dos “salvadores da pátria”, e a eterna bandeira portuguesa a festejar as glórias da nossa “brava terra”. E quem duvida de tal, o melhor mesmo é começarmos a pensar: por que motivo estamos sempre à espera de alguém que nos resolva os problemas, em vez de sermos nós a arregaçar as mangas e lutarmos por aquilo que achamos ser justo? Por que motivo nós, os portugueses, obedecemos com tanta subserviência, e confundimos “crítica construtiva” com “insulto”? Por que motivo nós, os portugueses, queixamo-nos tanto das injustiças do nosso país, mas ao mesmo tempo somos inactivos, apáticos e donos de uma eterna baixa auto-estima? Toda a nossa forma de estar e de pensar revela o quanto os ideais de uma sociedade igualitária ainda precisam de ser muito trabalhados e limados: sem consciência cívica e cultura de participação, qualquer regime democrático corre o risco de se transformar numa ditadura mascarada de democracia. Porque uma democracia não se restringe a apenas rabiscarmos uma cruzinha num papel, de quatro em quatro anos. Implica muito mais do que isso.
E como eram as crianças, adolescentes e mulheres deste regime? A resposta está na capa: a mulher era Educada Para Ser Boa Esposa, Boa Mãe, Católica e Obediente. Era ensinada a ser modesta; a vestir-se com elegância mas discrição; a obedecer com um sorriso às ordens do pai e do marido; a saber conversar sem ser uma sabichona; a concorrer para profissões de “índole feminina”, ao mesmo tempo que invejava o “doce paraíso” da esposa feliz e fada do lar (Que Pena da Mulher que Trabalha!); a ler livros que não alimentassem os seus baixos instintos; a fazer exercício físico de uma maneira decente, porque Os rapazes ao sol! As raparigas mais na sombra!; a não usar permanente no cabelo, porque A menina do liceu, a criada, a mulher, da hortaliça (…) parecem angolanas; eram ensinadas a ser beatas católicas, a fazer a chamada “caridadezinha” e ajudar os coitadinhos dos pretinhos (Presas por um laço de família àqueles cristãozinhos/Trabalhemos Para os Pobrezinhos!); por fim, era instruída para ser uma feroz lusitana (Nem hitleriana nem balila. Portuguesa, portuguesa!”).
Terminada a leitura deste livro fascinante, que conclusão poderemos tirar? Apesar de algumas boas intenções como, por exemplo, ensinar as crianças e as jovens a não serem egoístas e aprenderem a partilhar os seus bens com todos, independentemente da raça ou classe social, a sociedade do Estado Novo fica-se pelas palavras. O Paternalismo, que não passa de uma máscara chamada “desprezo”, está presente em todos ou quase todos os artigos das revistas da Mocidade. Note-se o exemplo dos “inhos”: os “pobrezinhos”, os “pretinhos”, os “cristãozinhos”. Por fim, a mulher é sempre a subalterna, a criatura dócil e servil, que nasceu para obedecer ao sexo masculino. Reza, assim, um boletim do MPF: Raparigas da Mocidade, o vosso dever é reagir contra tudo o que é mau. Vesti com orgulho o fato de banho da Mocidade: ele fala por vós e diz aos que vos vêem quem sois vós: verdadeiras raparigas alegres e saudáveis – mas puras!
Uma vez que a biblioteca desta escola celebra o Mês da Adolescência, é bom que os adolescentes de hoje, particularmente as adolescentes, se apercebam do quanto ganharam com o 25 de Abril. E, já agora, que comecem a ser mais activos, de forma a poderem construir uma democracia mais válida e que preserve os seus direitos já adquiridos. Para que não corramos o risco de voltarmos ao passado…
S.C.
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