quinta-feira, maio 26, 2011

Imperdível

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A Idade Média, pelos vistos, voltou a estar na moda. Recentemente assistimos a uma adaptação da obra Os Pilares da Terra, transformada numa mini-série televisiva. Agora já se encontra “em cena” uma saga há muito amada pelos maluquinhos do Género da Fantasia: As Crónicas do Gelo e do Fogo, da autoria de George R R Martin, saga esta mais conhecida pelo nome do Livro I: A Guerra dos Tronos.

De facto,

se existe clip_image004uma “epopeia” que merece ser lida, As Crónicas do Gelo e do Fogo é uma delas. A série de televisão não é nada má mas não chega aos calcanhares da qualidade literária desta longa, longa, longa história (já vai em sete livros!) “Sete livros???”, dizem vocês, em estado de choque. Sim, sete livros. Por enquanto. Porém, o mais extraordinário de tudo é a forma brilhante como George R R Martin escreve, de uma clarividência e, ao mesmo tempo, simplicidade que poucos escritores possuem. Assim que começamos a folhear o livro I já não conseguimos largá-lo mais. E ficamos furiosos quando chegamos à estante e nos lembramos que ainda não comprámos o próximo capítulo e que o salário do fim do mês ainda vai longe. E as personagens estão tão bem conseguidas que é literalmente impossível não querermos saber o destino de cada uma delas.

Ao contrário do grande Mestre do mundo da Fantasia, Tolkien, o mundo dos cavaleiros, dos dragões, das belas princesas e rainhas não é nada simpático e romântico: o mundo clip_image006da Idade Média é-nos apresentado com uma crueza impressionante. As grandes casas nobres são casas sedentas de poder e de sangue, e mesmo a casa dos Starks, que na nossa mentalidade de humanos do século XXI nos parece a mais simpática, não foi propriamente muito cavaleiresca no passado. É excelente a distinção das classes sociais e como cada uma delas é tratada (especial relevância à extrema pobreza dos camponeses e a forma como eles são sistematicamente abusados por todos). A descrição dos espaços, das culturas, dos rituais religiosos, dos medos e das superstições de cada casa e cada povo também é de se lhe tirar o chapéu.

Porém, ao mesmo tempo, George R R Martin consegue criar personagens que, dentro dos conceitos do bem e do mal daquela época, conseguem suscitar-nos simpatia e compaixão. É o caso do anão Tyrion da Casa Lannister (primeira imagem deste post), uma aranha brilhante, maquiavélica e com um coração que pende para o ouro. No entanto, este mesmo anão olha com (aparente) indiferença para a fome e crueldade com que muitas vezes os camponeses são tratados. Digamos que ele tenta fazer o que pode, sem nunca mudar as hierarquias e os privilégios da sua sociedade. E é graças a este “meio-homem” ou “macaco” que a casa Lannister, aos nossos olhos, ainda merece a nossa atenção. É também o caso do rei morto Robert Barathion, um homem truculento e agressivo, mas que, dentro do possível, tenta fazer um jogo de cintura entre os direitos da nobreza e o bem-estar do povo. Acima de tudo, todas as personagens são realistas e credíveis: As Crónicas do Gelo e do Fogo não são filmes baratos saídos de Hollywood. Não há cá Gandhis ou Aristides de Sousa Mendes, os tempos eram outros e estamos muito longe da Revolução Industrial. A espada era a lei e quem nascia pobre morria pobre, exceptuando alguns casos excepcionais.

Graças à excelente editora Saída de Emergência, quase todos os volumes já foram traduzidos (no Brasil, é a editora Leya que os está a publicar). Mas uma coisa já está garantida: esperam-nos horas de grande entretenimento e prazer de leitura. Com efeito, poucos são os escritores hoje em dia que conseguem criar um equilíbrio entre a acção e a descrição. Há muitas peripécias q.b mas também há tempo para os espaços, as culturas e as personagens respirarem. E isto, só os mestres, como Tolstoi e Homero, o conseguem fazer.

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