Para quem já lá esteve o veredicto é unânime: há muitos livros, muitas “barraquinhas”, mas preparem-se para chegarem a casa e colocarem os pezinhos no alguidar. É que a escolha, este ano, não é das mais variadas. Há muitos livros de auto-ajuda, de culinária, de jardinagem, de reikis e “novas eras”, temos muita literatura light e muitas “teorias da conspiração”, alguns livros de divulgação científica e histórica, alguma poesia (pouca, muito pouca)... e chega.
Em suma: encontrar um livro que não seja comercial, que não fale de comida, que não fale de tramóias no Vaticano e que não fale de pedras curativas vai exigir uma grande pesquisa nas montras e um longo, longo passeio a subir e a descer o Parque Eduardo VII (por que motivo não voltam a colocar a Feira do Livro nos Restauradores/Terreiro do Paço? A caminhada seria menos penosa, o que seria do agrado de pessoas mais debilitadas, como os idosos e os doentes...). No entanto, após muito “escarafunchar”, lá encontrámos algumas publicações que vale mesmo a pena serem mencionadas:
A Fábula, de William Faulkner
Se todos nós, o inteiro batalhão, pelo menos um batalhão, deixar as carabinas e as granadas e tudo para trás de nós na trincheira: trepar apenas de mãos nuas por cima do parapeito e atravessar o arame farpado e depois caminharmos apenas de mãos nuas, não de mãos erguidas para nos rendermos mas apenas abertas para mostrar que não temos nada para magoar, para ferir ninguém; não a correr, a tropeçar: apenas a avançar como homens livres que não querem nada excepto voltarem para casa e enfiarem-se em roupa limpa e trabalharem e beberem um pouco de cerveja à noite e conversarem e depois deitarem-se e dormirem e não terem medo. E talvez, apenas talvez, muitos dos alemães também queiram o mesmo, ou apenas um alemão que não queira mais do que isso, que ponha a sua carabina e granada no chão e também saia de mãos vazias não para se render mas apenas para que todos os homens vejam que não tem nada nelas nem para magoar...
Segundo o próprio autor desta genial obra-prima, este foi o seu melhor romance, e levou cerca de dez anos a ser concluído. A história passa-se nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, e conta a decisão de um soldado francês (com a ajuda de 12 camaradas) de se rebelar contra os seus generais e a guerra. A sua revolta produz um efeito inesperado: os soldados aliados e alemães pousam as armas e param o conflito. Mas o preço a pagar por tal ousadia será muito, muito caro. Um Jesus Cristo dos tempos modernos, a personagem será também sacrificada para salvar essa espécie estúpida chamada “Humanidade”.
História Universal da Destruição dos Livros, de Fernando Báez
Se este livro é recomendado por Noam Chomsky, um dos maiores pensadores e linguistas do século XX, então nem vale a pena sequer pensarmos duas vezes: é para enfiá-lo no “carrinho de compras” e está o assunto arrumado. E é com um arrepio de terror e de indignação que nós viramos as páginas: quantas grandes obras, que nunca chegaremos a conhecer, foram atiradas à fogueira? Quantas invenções antes do tempo poderiam ter sido benéficas para a espécie humana? Quantos poemas, romances, tratados filosóficos e científicos se perderam para sempre, graças à eterna estupidez dos Homens?
A “matança” do Saber é longa e sinistra: desde o iluminado reino da Suméria (sim, foi aí que tudo começou!) até ao Antigo Egipto; desde a Antiga Grécia, que não hesitou em queimar a Biblioteca de Pérgamo, até aos Manuscritos do Mar Morto que, por uma unha negra, foram salvos do tempo e do fanatismo religioso; desde a perseguição aos textos budistas até ao lendário fim da Biblioteca de Alexandria; desde as obras proibidas de Abelardo até aos códices queimados no México; desde a Inquisição até a tentativa de destruir o génio de Isaac Newton; desde os ataques aos intelectuais Franceses, no século XIX, até os livros destruídos e queimados durante a Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial; desde a censura nos Estados Unidos da América até à perseguição contra intelectuais como Salman Rushdie e outros livres pensadores e cientistas, por parte de regimes muçulmanos; desde a aniquilação de bibliotecas na China Comunista até à histeria étnica e fanática na Chechénia e na Sérvia; desde as próprias editoras que “guilhotinam” livros até ao caso “Harry Potter”... A lista é longa, muito longa. E sinistra. Desde que o Homem é Homem, sempre temeu aqueles que pensavam e questionavam mais do que os outros.
Não é propriamente uma agradável leitura de Domingo. Mas é um livro que tem que ser lido.
Aquele que liberta os prisioneiros, devolve a vista aos cegos, levanta os abatidos. (…)
E o fruto … não tardará para ninguém.
E o Senhor fará coisas gloriosas que nunca foram como Ele …
Porque Ele curará os feridos, e dará vida aos mortos e trará boas-novas aos pobres.
Fragmento da Ressurreição retirado do Apocalipse Messiânico, manuscrito 4Q521, escrito há 2100 anos, em 100 a.C..
O sub-título diz tudo: Os textos que alteraram a visão do Judaísmo e do Judaico-Cristianismo. Descobertos entre 1947 e 1956 no deserto da Judeia (Israel), estes cerca de 700 manuscritos estiveram no segredo dos deuses durante várias décadas. É que os Israelitas, assim que começaram a decifrá-los, pensaram se não seria, de facto, uma boa ideia mantê-los afastados do olhar dos leigos, isto é, nós. Para piorar o cenário, as tricas entre vários departamentos de universidades e grupos de tradutores mal escolhidos ou lentos, as sucessivas quezílias entre Palestinos e Israelitas e as guerras políticas de bastidores, tudo isto azedou as relações entre os vários países encarregados de traduzir este extraordinário achado arqueológico. Por fim, houve uma postura de nítido boicote: as traduções eram feitas a passo de caracol, para adiar a publicação mundial. Até que, finalmente, em 1991, um “basta!” soou bem alto pelos quatro cantos do planeta e as traduções já não puderam mais ser adiadas.
O que há de tão assustador nestes “Manuscritos”? Os textos são importantes por serem mil anos mais antigos do que os registos do Antigo Testamento conhecidos até então e por oferecerem uma vasta documentação inédita sobre o período em que foram escritos, revelando aspectos desconhecidos do contexto político e religioso nos tempos do nascimento do Cristianismo e do judaísmo rabínico. (…) (para lerem mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuscritos_do_Mar_Morto ). Estes manuscritos demonstram que não existia uma mas várias versões e interpretações dos livros sagrados do Antigo Testamento e dão muito a conhecer a cultura estranha, ortodoxa e fascinante dos Judeus Essénios, uma seita judaica extremamente fechada, a ponto de não permitir a entrada de mulheres. Há quem diga mesmo que Jesus cristo descendeu deste grupo, devido a várias semelhanças na linguagem, na temática e no vocabulário utilizado. Porém, como afirma a página da infopédia, temos que ter em conta que as divergências entre Qumran e o cristianismo chegam a ser radicais, por exemplo no que diz respeito à legalidade e a alguns costumes.
Fascinante, brilhantemente traduzido e anotado (as páginas de rodapé são verdadeiras fontes de sabedoria e de comparação de culturas), eis um livro que todas as bibliotecas do mundo deviam ter.
Imagem retirada daqui.
2 comentários:
Continuem assim, com esse amor à Natureza. O planeta Terra agradece.
...nem o Harry Potter escapa! Está tudo maluco!
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