segunda-feira, maio 10, 2010

Livro Da Semana

A Sala Das Perguntas, de Fernando Campos

A Inveja é assim tão magra e pálida porque morde e nunca come.

Francisco de Quevedo

A Inveja é o mais estúpido dos ofícios pois deste não se obtém nenhuma vantagem.

Honoré de Balzac.

É consequência própria e natural da inveja perseguir os presentes e estimar os passados, matar os vivos e celebrar os mortos.

Padre António Vieira

A inveja é um vício mesquinho e sórdido: o vício do condenado que reclama porque o seu companheiro de prisão recebeu uma ração de sopa maior.

Kingsley Amis

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Sempre que pensamos em Damião de Góis, quatro palavras nos ocorrem imediatamente: “Um Grande Homem” e “Inveja”. Demasiadamente moderno para o seu tempo, foi um Humanista que lutou pela Liberdade, pelo Saber, pela liberdade religiosa, por um mundo mais centrado no talento do Ser Humano e menos na tirania de Deus. Talvez por isso mesmo tenha sido acusado de “andar com más companhias”, isto é, intelectuais que simpatizavam com as ideias reformistas de Lutero e do grande filósofo Erasmo.

Pelos vistos, conhecia toda a gente: Henrique VIII e Thomas More, o imperador Carlos V, Erasmo, Bembo, Sadoleto e Bonamico, Inácio de Loyola... Todos os grandes génios e intelectuais, bem como simpatizantes da Cultura Humanista sentaram-se à sua mesa ou convidavam este grande português para se sentar à mesa deles. Conheceu o mundo e foi amado por muitos. Estudou em várias universidades, foi feito refém durante uma batalha entre a Flandres e a França, tendo silvo salvo pelo nosso reu D. João III....

Era de se esperar que, voltando à sua pátria, fosse recebido com orquestra, chefes de estado e uma multidão de intelectuais a aplaudi-lo. Mas Portugal é Portugal e o mérito, aqui, não é premiado. Em vez disso, dez anos depois, e devido à inveja de várias famílias nobres, foi acusado de heresia, foi feito prisioneiro pela Inquisição, foi “questionado”, torturado e humilhado na temida Sala de Perguntas. O seu fim continua ainda hoje a ser um mistério: foi assassinado pelas costas por alguém que, sorrateiramente, entrou na sua casa e lhe desferiu uma pancada fatal na sua cabeça.

Eis a inveja portuguesa: um cancro com séculos que corrói o nosso país como ácido sulfúrico... O autor deste livro, Fernando Campos, comentou numa entrevista, a propósito da alma portuguesa: nós, portugueses, esquecemos aquilo que é nosso (...). Nós esquecemo-nos de nós, somos preguiçosos, não gostamos de nós próprios. Os Espanhóis para si próprios são os melhores do mundo, os Franceses são “les plus beaux”, os Italianos são formidáveis, os Alemães e os Ingleses nem se fala e os Americanos… o “American way of life” é o supra sumo. Só nós é que somos uns infelizes e desgraçados, que dizemos mal de nós e não cuidamos das nossas coisas. Por isso mesmo, Fernando Campos tem vindo a dedicar a sua vida a escrever romances históricos centrados em figuras portuguesas, esquecidas ou não. Este livro fabuloso teve como objectivo ajudar as gerações mais novas a conhecerem e amarem uma figura importante do século XVI, quer a nível nacional quer a nível mundial.

Extremamente perfeccionista, leva anos a fazer pesquisas antes de escrever as primeiras páginas do seu novo romance. Está sempre muito atento ao estilo de linguagem de época, os costumes, a maneira de pensar, a descrição dos espaços e das pessoas. Porém, o autor nunca se esquece do leitor moderno, que muitas vezes tem vontade de aprender mas não possui uma cultura suficientemente larga para perceber, por exemplo, a linguagem “pesada” do Portugal do século XVI. Como afirmou na mesma entrevista, Tenho a preocupação de, embora escreva em português (ainda há aqui e acolá alguns elementos arcaizantes), pensar no leitor moderno, de modo a que quem lê goste e leia com facilidade, mas nivelando por cima. Tenho dito muitas vezes: não quero ser o escritor das 200 mil palavras do português básico, o português é uma língua riquíssima, de uma grande civilização (…).

Por isso mesmo, ler Fernando Campos não é só uma injecção de prazer: é também uma injecção de cultura geral.

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