segunda-feira, outubro 26, 2009

Livro Da Semana

clip_image0022666, de Roberto Bolaño

Quando tiverem paciência; quando as férias chegarem; quando tiverem uns anitos a mais e um bocadito mais de maturidade nas vossas vidas; quando o mundo vos parecer demasiado certinho e demasiado simplista; então, leiam a gigantesca obra-prima do escritor chileno Roberto Bolaño, de nome 2666.

E este romance não era para ser um mega mega mega romance. Antes de morrer, o autor pediu aos seus editores, no seu testamento, que esta obra fosse publicada em cinco vezes, cada parte uma vez por ano. A razão era muito simples: assegurar o futuro económico dos seus filhos (Bolaño encontrava-se à beira da morte, quando escreveu estas instruções). No entanto, os editores decidiram publicá-la na totalidade, justificando que este livro devia ser lido e visto como um todo, e não como uma série de “temporadas”, ao estilo de uma série de televisão americana.

Embora esta decisão seja de louvar, talvez não tenha sido a mais sensata. Para quem não está habituado a ler, o tamanho e o peso do livro assustam: 1025 páginas. E não, não é um Nómada, da Stephenie Meyer, que se lê de um fôlego, até debaixo do chuveiro. 2666 é um murro no estômago, um verdadeiro incêndio literário, como há muito tempo não se via nas livrarias de todo o mundo. Especialmente num século como o nosso, obcecado pela juventude eterna, pelo sucesso, pelo dinheiro fácil, pela fama, pela beleza física, pelos 15 minutos de fama. Num século XXI asfixiado pelo êxito fácil e pela literatura light, só um escritor com muita coragem poderia escrever algo que, à partida, parecia “invendável”.

Este não é um livro para qualquer um. É preciso disposição para o lermos, é preciso estarmos preparados para o lermos. É demasiadamente esplêndido para ser compreendido logo à primeira, é demasiadamente bom para ganhar um Pulitzer ou um Nobel. Até porque Roberto Bolaño esteve-se sempre “marimbando” para os top 10, para os prémios literários, para as convenções sociais e optou sempre por seguir o seu instinto de génio literário. Aliás, Bolaño parece representar aquilo que todos nós desejamos ver num artista: alguém que é capaz de viver pelos seus ideais, e que nunca venderá a sua alma a quem quer que seja. Deu-se ao capricho de fazer algo que já ninguém faz: levar 13 anos da sua vida a escrever um romance. E se ficar famoso, tanto melhor. Se não… a vida continua.

clip_image004O próprio título é absolutamente estranho: porquê 2666? O escritor não se dá ao trabalho de explicar a razão deste número. Porém, através de outras obras suas, como o romance Amuleto (estes quatro dígitos são recorrentes ao longo dos seus livros), uma estrada no México é descrita como se fosse um cemitério no ano 2666. Há quem diga que este algarismo está ligado ao Antigo Testamento: quando Moisés libertou os judeus da sua prisão no Egipto, tal lendário episódio terá ocorrido, segundo alguns cristãos mais radicais, 2666 anos depois da criação do Planeta Terra. Mas este número fica ao critério do próprio leitor: é que esta história é intemporal e tanto pode ocorrer hoje como num futuro mais distante.

A história parece muito simples: quatro apaixonados por um escritor alemão desconhecido, Benno Von Archimboldi, um homem que parece ter desaparecido do mapa, encontram-se numa série de colóquios e decidem procurá-lo. Pelo caminho, há paixões, desilusões, um olhar frio sobre a crueldade e loucura humanas; uma macabra procissão de centenas de mulheres cruelmente mortas em Santa Teresa, no México; um professor de literatura que mora em Santa Teresa, pai de uma filha lindíssima que pode atrair as atenções de quem quer que ande a fazer mal a todas estas mulheres; um forasteiro que parece estar ligado a uma série de assassínios no deserto de Sonora; e, por fim, o próprio escritor alemão, Benno Von Archimboldi, escorregadio e fugidio, como areia entre os nossos dedos.

Enfim, parece que estamos a ler um “simples” livro policial. Nas últimas páginas, o culpado irá para a cadeia, os “bons da fita” terão a sua justiça ganha. Certo?

Errado.

Em 2666, a Humanidade é vista como uma louca lúcida ou um sábio a olhar para o poço da loucura. Não se sabe onde acaba a sanidade e começa o delírio, e tudo parece ser um sonho acordado ou um despertar no meio de um sonho.

Nós avisámos. Não é um livro fácil de se ler. Não é um livro para qualquer um. Mas é bom saber que, no século XXI, ainda há génios.

Booktrailer de 2666

http://www.youtube.com/watch?v=s5ksScxvnMk

5 comentários:

BULIMUNDA disse...

Parece deveras interessante mas 1025 páginas..? Só mesmo nas férias.....
Deixo aqui dois belos links..acho eu..
http://bulimunda.wordpress.com/2009/10/26/spanish-earth-1-1937-directed-by-joris-ivens-commentary-by-ernest-hemingway-photography-by-john-ferno-music-by-marc-blitzstein-and-virgil-thomson-narrator-orson-welles/
e
http://bulimunda.wordpress.com/2009/10/26/a-sociedade-espectaculo/

Um abraço e boas leituras..Carpe Diem..

Tinkerbell disse...

adoro livros grandes que me dêem uma satisfação no fim dp de 1000 e tal páginas, estou decerta para ler este romance só ainda não ponderei se compro em ingles, o que aumenta a dificuldade mas poupo quase 20 euros!

bjs**

Anónimo disse...

Vou arregaçar as mangas: adoro um desafio. lbasilio

Sabina disse...

Estou a meio do livro.

Concordo com tudo o que foi escrito. :-)

Anónimo disse...

Aqui está uma excelente descrição para quem não conhece Bolaño e este «enorme» livro que nos deixou de herança! Esqueçam tudo que leram até agora, preparem o espírito e atirem-se de cabeça. Não se vão arrepender! Boa leitura de 2666! JP