O nosso país, infelizmente, já se habituou às histórias do costume: sempre que chega o mês de Setembro, o que mais ouvimos são relatos de estudantes universitários que, debaixo da capa da “integração e camaradagem académica”, vêem-se forçados por colegas mais velhos a ter atitudes e comportamentos que consideram humilhantes e que pouco ou nada têm a ver com a razão pela qual muita gente frequenta um curso: para aperfeiçoarmos a nossa cultura geral, alargarmos os nossos horizontes e conseguirmos um melhor futuro.
Claro que ir para a faculdade não é só “marrar”. Todos nós precisamos de conviver, de fazermos amigos, de sairmos à noite, de vivermos “à grande e à francesa”, enquanto ainda temos tempo e ainda podemos pintar o cabelo de verde e azul, se assim bem o desejarmos. É que a vida dos adultos, apesar das suas imensas compensações, também tem os seus inconvenientes: temos que ser pais responsáveis e presentes, temos que pagar prestações da casa e do carro, temos que aturar patrões e, só com muita “sorte”, não vamos ter um papá e uma mamã a safar-nos de todas as asneiras que fizermos ao longo da nossa vida. Como dizem os nossos avós, “é aproveitar enquanto ainda podemos”.
Todas as culturas têm os seus “rituais de passagem”. Há muitos anos atrás, sempre que uma criança chegava à adolescência, toda a comunidade festejava esta “entrada para o mundo dos adultos” com uma espécie de celebração pública. O baptizado, a primeira comunhão, o casamento, a queima das fitas, o aniversário, entre outros exemplos, são outras pequenas “festas” que assinalamos nas nossas vidas e todas as sociedades, todas elas, possuem várias. Como afirma a cronista brasileira Elline Kullock, na religião judaica, há o Bar-Mitzvah. Quando o rapaz completa 13 anos, realiza-se uma cerimónia para marcar este momento. Mas o que isto significa é que ele, a partir de então, é considerado um homem e pode até ler a Torah, o livro sagrado dos judeus. Mas 13 anos não é cedo para ser um homem? Sim, mas é bom lembrar que este rito data de uma época em que a expectativa de vida era menor. Ora, as praxes são exactamente isto: um ritual de passagem. É suposto festejarmos uma nova etapa da nossa vida. De preferência, com muita festa e muito riso.
Porém, a “brincadeira” passa a ser um “problema” quando o caloiro diz “não” e o seu pedido não é respeitado. São muitos os estudantes universitários que se sentem pressionados a participar nas praxes. Caso não o façam, serão rejeitados por todos porque, segundo eles, quem não participa nestas “brincadeiras” é “quadrado” ou “anti-social”.
Ora bem, farto desta “tirania da maioria”, o Ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago (foto à esquerda), deixou um aviso à navegação: ou os direitos de um ser humano são respeitados ou os praxistas irão ter problemas a sério. Como afirma a notícia no Público Online, “Sempre que tenha notícia da prática de ilícitos nas praxes”, Mariano Gago ameaça dar “imediato conhecimento ao Ministério Público” e usar “os meios aptos a responsabilizar, civil e criminalmente, por acção ou omissão os órgãos próprios das instituições do ensino superior, as associações de estudantes e ainda quaisquer outras entidades que, podendo e devendo fazê-lo”, não tenham feito nada para as evitar. Trocando por miúdos: se houver o mais pequeno abuso de poder, os praxistas serão criminalmente denunciados pelo próprio ministro (ver notícia completa em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1402779&idCanal=74)!
O ministro justifica-se: “A degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve ser eficazmente combatida por todos: estudantes, professores e, muito especialmente, pelos próprios responsáveis das instituições”.
Em suma: o ministro não é contra as praxes nem vai sequer proibi-las. No entanto, não irá tolerar exageros e abusos, por parte dos “mais velhos”. Um “não” é um “não”, e se uma associação de estudantes não sabe respeitar as escolhas pessoais dos novos colegas, deverá ser responsabilizada por tal.
Estará Mariano Gago a exagerar ou será que, segundo a opinião de muitos, é um homem corajoso? Afinal, esta é a primeira vez em muitos anos que um político não só critica abertamente as praxes violentas como, inclusivamente, faz tenção de punir criminalmente aqueles que as praticam…
Ilustração retirada de:
http://tdias.wordpress.com/2009/09/22/praxes-academicas-20092010/
7 comentários:
acho muito bem. o gago tem sido um bocadinho gago mental, mas nisto pensou a cantar.
:)
Estou plenamente de acordo!!!!Anda a escola toda a meter na cabeça dos jovens a defesa dos direitos humanos e da sua dignidade e chegam ao superior e dá nisto?! Há quem confunda, infelizmente, uma inclusão positiva no "meio académico" e social com tiques de poder precoce para cometer barbaridades. O tipo de excessos que têm vindo a lume são puníveis na sociedade civil por que razão não haviam de o ser no meio académico?! Não estão estes jovens ainda em processo de crescimento?
Que se respeite quem não queira ser alvo de praxe e que os praxistas tenham criativade q.b para receber os novos alunos, quantos deles arrancados das suas zonas.
Nina Abreu ( alguém que infelizmente, ressalvo, não viveu as praxes, nem latadas, nem queimas, por força do longo luto académico vivido em Coimbra, entre 1969 e 1981, sensivelmente)
Concordo com todos os comentários feitos. Fui "praxada" e adorei...só que no país onde estudei as praxes são uma coisa muito muito engraçada. Ficará para sempre na minha memória a criatividade com que os estudantes finalistas nos brindaram e nos puseram "à vontade" na nossa faculdade. Assim, sim vale a pena ser "praxada"...sem humilhação e muito coração.
Mariano Gago tem sido umóptimo Ministro da Ciência mas nem por isso do Ensino Superior.
Mas, desta vez, acertou em cheio. A praxe deve ser algo para recordar com um sorriso daí a muitos anos e não com pesadelos ou arrepios de thriller...
Lyta
Bom post :)
Eu sinceramente, não tenho nenhum problema com as praxes, mas acho que por vezes exageram bastante (basta procurar no YouTube que se encontra umas bem estúpidas). Acho bem o que o Minisro fez!
Concordo plenamente com a decisão do Ministro... este ano já tive conhecimento de praxes bastantes humilhantes, que me foram contadas pela pessoa que as sofreu... é horrível...
Eu nunca achei piada nenhuma às praxes. Não fui praxada e não tive qualquer problema de integração no mundo académico. Ainda hoje 11 anos após a conclusão do curso, mantenho amigos dessa altura. Estes rituais sempre me fizeram muita confusão! E confesso: nunca vestiria um traje académico!
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