Para quem leva a santa vida a queixar-se do atraso do nosso país, seria interessante darmos uma espreitadela nos inícios do século passado. De há cerca de 100 anos para cá, a nossa nação tem evoluído bastante em todos os aspectos: Sociedade, Cultura, Política, Educação e Saúde. De facto, quase nos custa a acreditar que aquele Portugal era o nosso Portugal!
Façamos, portanto, uma viagem no tempo: há cem anos atrás, três em cada quatro portugueses e seis em cada sete portuguesas não sabia ler nem escrever. Apenas uma pequena elite cultural (políticos, professores, advogados, médicos, intelectuais, etc) tinha acesso a este privilégio. Como este grupo tinha uma coisa chamada tempo e não levava a vida a trabalhar até à exaustão, podia dar-se ao supremo luxo de se reclinar na cama, no sofá da sala de estar ou num café elegante, e ler com muita paciência e seriedade jornais com letrinhas tão minúsculas, que, actualmente, só os amantes da História se dão ao trabalho de fazer o mesmo. Lisboa, tal como o Porto, era uma capital dolorosamente atrasada, onde o comércio ainda era feito nas ruas, no meio de muitos “pregões”, lixo acumulado e condições sanitárias de meter medo ao susto. O telefone era um luxo destas duas cidades e o restante país tinha que se contentar com os serviços de um correio que, em muitos locais, precisava de burros ou cavalos para chegar ao destino.
O progresso lá ia chegando: devagarinho, muito, muito, muito devagarinho. Os eléctricos começaram a ser instalados, as primeiras lojas (hoje, o “comércio tradicional”) começaram a fazer furor e, lentamente, foram destruindo os negócios feitos nas ruas. A publicidade era uma agradável novidade e já se falava do gramofone, da electricidade, dos aviões. O carro era um luxo das classes endinheiradas. Quanto às mulheres, estas estavam autorizadas a serem professoras e pouco ou nada mais. A sua função era casar, ter filhos e obedecer ao marido. Não tinham direito ao voto e não tinham acesso às faculdades. A religião católica dominava toda a educação e vida dos portugueses e não permitia que a mulher ascendesse intelectual e socialmente (há excepções, obviamente. Veja-se o exemplo de uma grande feminista e republicana, de nome Maria Veleda, em http://www.aph.pt/recursos/download/outros/Maria_Veleda.pdf). Mas todas estas ideias modernas estavam circunscritas às grandes cidades. No restante país, assistia-se a um penoso atraso de séculos. Com efeito, muitos portugueses nasciam, cresciam, envelheciam e morriam na sua terra. Quanto muito, conheciam a aldeia do lado e nada mais.
O rei D.Carlos era muito boa pessoa. Era também um homem culto, educado, amante das ciências e das letras. Mas era, como muitos o acusavam, “um rei ausente”. Temos que admitir que não foi um bom governante. Sua “Real Majestade” estava muito mais interessada em pintar aguarelas (bastante boas, diga-se de passagem) do que em criar, por exemplo, um sistema de Ensino funcional, que libertasse o povo português de uma constante e eterna pobreza. O Jet Set da época andava a fazer o costume: caçadas, garden parties, ir à Ópera ou ao teatro, pavoneando as suas novas fatiotas. O povo, esse, contentava-se com passeios domingueiros, piqueniques, as romarias e pouco mais. E a ida ao teatro. Para os nossos antepassados, o teatro era tudo. Grandes actrizes, quer fossem rainhas da revista ou da comédia quer fossem rainhas do drama (o dito teatro sério), esgotavam salas e arrastavam multidões (ver foto à direita).
Nas colónias portuguesas, particularmente as africanas, uma minoria de portugueses endinheirados vivia à grande e à francesa, enquanto a esmagadora maioria dos nativos vivia no limiar da extrema pobreza. E ai daqueles que se revoltassem e quisessem mais!: eram logo reprimidos e humilhados perante a indiferente máquina fotográfica.
Sim, este era o nosso país. E a elite de Portugal já estava a ficar farta. Queriam um país mais evoluído, mais civilizado, mais educado. Ou seja, mais europeu, capaz de competir com os outros e de não causar vergonha “lá fora”. Queriam uma Educação melhor e mais eficaz. Queriam um povo mais culto e menos religioso. E a Monarquia era cada vez mais vista como um “trambolho”, um empecilho que só atrasava os sonhos de um Portugal mais risonho. Estamos a falar, é claro, dos “fãs” da República, que sonhavam com um Estado onde quem decidisse seria o povo e não o rei (se bem que, nesta altura, a monarquia já não tinha um peso assim tão grande, nas decisões de uma nação).
E não se mudava nada: as contas públicas derrapavam, o país continuava atrasado e os líderes de ambas as facções políticas foram “acarinhados” com alcunhas nada simpáticas: Hintze Ribeiro era conhecido como o “Casaca de Ferro”, ao passo que José Luciano de Castro recebeu a linda alcunha de “bacoco”. O rei despede e nomeia quem bem quer, as guerras entre políticos resolvem-se cada vez mais nos bastidores, várias vezes à estalada e ao murro. Os “grandes” e “sábios” do país estão fartos. Quanto ao povo, esse, trabalha, indiferente às birrinhas daqueles que os governam.
É então que a tragédia tem lugar: no dia 1 de Fevereiro de 1908, o rei D. Carlos é assassinado (baleado nas costas) por um fanático Republicano, de nome Alfredo Costa. Manuel Buíça é o seu “companheiro de armas” e alveja o príncipe D. Manuel no braço. A rainha Amélia, em pânico, bate no agressor com o ramo de flores que trazia na mão. Era suposto este triste episódio causar emoção nos portugueses. Porém, “o rei ausente” despertou apenas a indiferença num povo, que há muito tempo perdera a fé nos seus governantes.
A partir daqui, é o descalabro: o ódio entre Republicanos e Monarcas acentua-se, os confrontos são cada vez mais directos e mais violentos. O país divide-se em dois: no norte, os portugueses são cada vez mais conservadores e católicos, ao passo que, no sul, predominam cada vez mais as ideias liberais e republicanas. Estamos, é claro, a falar de uma minoria culta e cheia de ideais políticos. O povo, esse… trabalha.
Quem vai ganhar a guerra? Os republicanos, é claro. No dia 4 de Outubro de 1910, dá-se a “Insurreição Republicana” em Lisboa. Um exército constituído por médicos, caixeiros, estudantes, advogados, sargentos, oficiais e muitos outros, teve acesso a uma enorme quantidade de armas e, juntamente com o apoio da Marinha, da Carbonária e da Maçonaria, declararam guerra às forças da Monarquia. A batalha termina no dia 5 de Outubro, e quem vence são os republicanos. No início da manhã, vários membros desta facção sobem à varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa e proclamam o fim da monarquia. A família real, essa, opta por fugir.
Como reagiram os portugueses? Com total e absoluta indiferença. A maior parte recebeu a notícia por telégrafo (ficaram a sabê-lo pelos jornais locais) e nem sequer se deram ao trabalho de manifestar pesar, indignação ou alegria. “De careca a coxo”, pensaram…
Independentemente de gostarmos ou não da Monarquia, esta data marcou o país. E quase 100 anos depois, coloca-se esta questão: teríamos evoluído mais depressa, se Portugal ainda tivesse reis e rainhas? Nunca o saberemos. Temos simplesmente que entender que os tempos e as preocupações eram outras e as circunstâncias, naquele tempo, não estavam do lado de D.Carlos. 5 de Outubro foi apenas mais uma tentativa de criarmos um Portugal melhor.
Uma de muitas…
(Todas as ilustrações foram retiradas da excelente enciclopédia temática “Portugal Século XX”, de Joaquim Vieira)
1 comentário:
O rei D. Carlos era também um excelente oceanógrafo de renome internacional. Infelizmente não tinha a mínima vocação para a política. E esse é um dos defeitos da monarquia: o Rei tem de o ser e dele se espera uma certa visão de Estado mesmo que ele tenha uma vocação totalmemte diferente. Com a República, espera-se que quem concorra a Presidente o faça por escolha e não porque nasceu com esse fardo. E se não for bom presidente, convenhamos que é mais fácil derrotá-lo em eleições do que tratar fde o depor ou de o assassinar...
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