Nos anos sessenta do século passado, uma senhora idosa chinesa sentiu-se mal e desmaiou numa estação de comboio. Quando a polícia desta nação revistou os seus pertences, à procura de uma identificação sua, encontraram uma série de papéis, que julgaram ser uma espécie de código secreto, e depressa concluíram que a pobre avozinha podia ser uma espia.
Chamaram, então, um grupo de intelectuais, peritos em descodificar linguagens supostamente secretas. Porém, o que descobriram foi absolutamente extraordinário: “tropeçaram” acidentalmente numa linguagem escrita criada e escrita única e exclusivamente por mulheres, usada há séculos e séculos por avós, mães, filhas, netas e amigas, na esperança de nunca perderem os seus laços de amor, quando se separassem para casar. Mais ainda, os homens não podiam saber da sua existência nem podiam tocar sequer em nenhum objecto que contivesse estes caracteres. Segundo a autora deste livro, Esses eruditos foram rapidamente enviados para um campo de trabalho, para que nunca contassem às massas o que encontraram.
Esta linguagem, hoje amada e protegida pelo próprio governo chinês, chama-se Nu Shu e pensa-se que seja um caso único na história da Humanidade. E foi a partir desta forma de escrita que Lisa See encontrou inspiração para escrever esta obra literária dilacerante e espantosamente bela.
A história ocorre nos inícios do século XIX, e narra a amizade entre duas mulheres, quase até à nascença. Lírio e Flor de Neve são Laotong, ou seja, “amigas-irmãs” para toda a vida. Trata-se de uma amizade muito, muito especial, que obedece às leis do filósofo chinês Confúcio, arquitecto de toda a filosofia e modo de vida da sociedade chinesa. Em poucas palavras: duas almas gémeas estão predestinadas a viverem ligadas até à morte. Até que um dia, algo muito triste acontece…
À medida que vamos lendo este livro, vamos tomando conhecimento de uma China que já não existe: a China dos pés enfaixados; a China da miséria extrema; a China das casas cheias de filhos, de concubinas e de muitos outros membros da família; a China dos imperadores e dos rígidos códigos de honra e tradição. E é um livro cheio de personagens muito, muito humanas.
Primorosamente escrito, eis um presente que não envergonhará ninguém.
Para saberes mais sobre a escrita Nu Shu (consulta a página 21):
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