A Montanha Mágica, de Thomas Mann
Como é que uma história onde aparentemente não se parece passar nada pode ser tão interessante?? Como é que é possível escrevermos um romance gigantesco de 800 páginas à volta do nada?
Antes respondermos a estas questões convém primeiro saber o que é que entendemos por nada. Se, para um leitor, “nada” significa uma história sem peripécias, sem intrigas, sem surpresas, escândalos, uma morte pelo meio e um fim inesperado, então este livro não é para si. Se, por outro lado, uma verdadeira obra-prima deve abordar obrigatoriamente assuntos como a Alma Humana, as eternas questões existenciais, a sombra da política e da sociedade nas nossas vidas e o significado do Amor, então A Montanha Mágica pode muito bem ser o livro da sua vida.
Aquilo que mais nos fascina neste livro é a ausência do Tempo: Hans Castorp, a personagem principal deste romance, vê-se encerrado num sanatório para tuberculosos quando, de visita a um primo que se encontra lá internado, e que também padece deste problema, é analisado pelos médicos, e o resultado das análises é definitivo: também sofre da mesma doença. Deixando-se levar pelos conselhos, arruma as malas e instala-se neste lugar situado numa montanha e, pouco a pouco, este espaço tomará conta da sua vida. À medida em que os anos passam, Castorp transforma-se numa espécie de monge desprendido do mundo. Este sanatório possui companheiros fascinantes, um filósofo, um jesuíta, uma bela mulher, um amante do prazer carnal, uma histérica que não pára de rir, boa comida, bom vinho, uma paisagem belíssima de cortar a respiração, discussões fabulosas sobre a política, o sentido da vida, livros a serem passados de mão em mão… O Tempo não existe, os dias são iguais, arrastam-se lânguida e alegremente, como um gato feliz que ronrona e se enrosca à volta da lareira. O leitor fica com uma sensação muito vaga de que os dias vão passando mas, embrenhado na leitura – nós sentimos que estamos mesmo lá – quase que nem dá por essa coisa tão abstracta chamada “o passar das horas”. E o próprio sanatório é fascinante e sedutor como uma casa assombrada…
Hans fica tão apaixonado por este lugar que já não quer sair: procura mil e um pretextos para continuar doente; está sempre a olhar para as radiografias, cheio de medo de que a cura esteja perto. O mundo “lá fora” é sujo, pouco interessante, cheio de pessoas ignorantes e agressivas. O mundo “cá dentro” possui a música, a cultura, as grandes perguntas que sempre assombraram a Humanidade: quem somos? De onde vimos? Para onde vamos? E a morte, essa, está sempre presente: na natureza, nas refeições, nas flores mortas, nos pulmões dos próprios doentes. Tudo é efémero, tudo vive debaixo da lei da Morte. E quando esta toma conta das nossas vidas, quando esta vive lado a lado à nossa cabeceira, o mundo “lá fora” e os caprichos birrentos das pessoas comuns e saudáveis deixam de fazer sentido.
Castorp é, segundo o Narrador, um homem de poucas qualidades: tímido, calado, pouco determinado, pouco corajoso, trabalhador mediano, amante medíocre, jogador fraquito… Em suma, é aquilo que nós chamamos hoje em dia um “Zé-ninguém”. E este Zé-ninguém, que nunca teve estofo e coragem para encarar a crua e feia verdade da vida real, escuda-se por detrás da doença para não ter de a enfrentar. Prefere morrer num mundo de paz e livros, refugiado numa concha de tranquila degradação, do que arregaçar as mangas e “agarrar o touro pelos cornos”.
Custa a acreditar que este livro tenha sido escrito no ano de 1924. Quando voltei a lê-lo fiquei com a sensação de que existem muitos paralelos entre Hans Castorp e muitos jovens e velhos que hoje se refugiam em redes sociais. Todos eles sentem terror da vida real e optam conscientemente por viverem no seu mundo particular: sem problemas, sem vizinhos incomodativos, sem responsabilidades, só alegrias e prazeres imediatos. “Lá fora” só existem maçadas, tudo é uma maçada, é uma maçada sermos corajosos e tomarmos conta de nós mesmos. Se este romance tivesse sido escrito no ano de 2011, Hans Castorp seria um junkie do facebook ou do Twitter.
Brilhante e eterno, este é um livro que todos devemos ler antes de deixarmos este mundo.
Imagens retiradas daqui
A imagem do filme A Montanha Mágica, da autoria de Hans W. Geissendorfer, foi retirada daqui:
1 comentário:
Não deixo de o invejar. Também me apetecia fugir deste mundo e viver o resto da minha vida num ambiente tão rico em Arte e Saber e tão feliz. Estas pessoas isolaram-se do mundo mas viveram de forma intensa e, provavelmente, com muito mais garra e paixão que as pessoas de fora. Nesse cantinho da Terra habitaram pessoas que se consideraram verdadeiramente vivas.
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