segunda-feira, abril 12, 2010

Livro Da Semana

Frankenstein, de Mary Shelleyclip_image002

Quase duzentos anos depois, este romance continua a ser uma das grandes obras de referência da História e Literatura Mundiais. Quase duzentos anos depois, continua a ser sinistramente actual: quem é que ainda não ouviu falar da ovelha Dolly, o primeiro animal verdadeiramente clonado? Este foi, sem dúvida, um verdadeiro milagre da Ciência, porém até que ponto esta descoberta não irá trazer implicações éticas bastante negativas à espécie humana? Quem é que não ouviu falar das mil e uma experiências que estão a ser feitas com o nosso código genético, na tentativa de criarmos um “Super Ser humano” sem doenças, sem fraquezas, sem patologias, sem hesitações? Se em muitos países um número assombroso de meninas é eliminado porque os rapazes são (pensam eles!) mais produtivos, esta nova tecnologia permitir-nos-á escolher o sexo da criança acabando, assim, por desequilibrar ainda mais o crescimento da população humana. E, voltando à ovelha Dolly, é bem possível que, daqui a uns anos, nem sequer precisemos de arranjar parceiro para termos um filho: basta clonarmo-nos a nós próprios e fim da história. Como será este “Admirável Mundo Novo”? Admirável ou assustador?

Os Homens gostam muito de brincar aos deuses. Modificamos a nossa comida, os nossos cães, os nossos animais, os nossos filhos, modificamos o mundo à nossa volta. E o preço que pagamos é sempre negativo, que o digam os cientistas que não se cansam de falar de um planeta cada vez mais degradado, graças às nossas brincadeiras. Pior ainda, nunca queremos assumir a responsabilidade dos nossos actos. Ora, Franskenstein aborda exactamente este assunto: se criamos uma nova vida, temos que ser responsáveis pela sua existência, quer gostemos dos resultados finais quer não. Acima de tudo, esta é uma das primeiras obras literárias (se não mesmo a primeira) que aborda o carácter moral dos cientistas: criar só pelo prazer de criar não trará benefícios a ninguém, é vaidade fútil e vazia que não produz nada.

A história, apesar de 557.969,6 filmes “adaptados” do romance, é muitíssimo pouco conhecida. Aliás, se existe um livro que foi definitivamente destruído pelo cinema, Frankenstein foi um deles. Não há um único filme, um único só, que faça justiça a esta obra literária. Ainda hoje, praticamente toda a gente acha que Frankenstein é o nome do monstro quando, na verdade, é o do cientista. Na verdade, a Narradora descreve este jovem como sendo uma criatura brilhante, genial, mas frívola e egoísta. A Ciência, para ele, não é uma ferramenta para trazer benefícios para a Humanidade, é um jogo mental que só serve para mostrar ao mundo o quanto ele é perfeito e inteligente.

Um dia, Frankenstein tem o sonho megalómano de criar um novo ser humano, como se fosse um deus. E decide-se a fazer isso mesmo: vai os cemitérios buscar pedaços de corpos, de cabeças, de braços. Cose-os, lança-lhes uma descarga descomunal de electricidade... e resulta! O ser ganha vida! Mas ao vê-lo, o nojo toma conta dele: não é nada bonito, é uma aberração assustadora. Horrorizado com o que fez (mas nem um pouco arrependido)... abandona-o e deixa-o sozinho. E eis que esta nova criatura, desprezada pelo seu “Deus”, não tem outro remédio senão aprender a viver neste mundo sem a ajuda de ninguém. Inicialmente, a criatura é boa, tem sede de aprender e de amar. Mas o mundo é tão estúpido e tão cruel, que a revolta, pouco a pouco, tomará conta dela. Com o tempo, preparará a sua vingança.

O monstro foi tão desprezado pelo seu “criador”, que nem sequer teve direito a uma identidade e a um nome. É uma coisa, é uma aberração, é uma experiência que correu mal. Não é um ser com sentimentos, com direito ao Amor. Merece ser espezinhado, merece morrer. Não se espante o leitor se, a meio do livro, sentir uma enorme vontade de chorar: apesar das coisas más que este “ser” inflingiu a Frankenstein, só podemos sentir compaixão por ele. O verdadeiro monstro é o Cientista. Portou-se como um pai negligente e caprichoso que, insatisfeito com o aspecto do seu “bebé”, abandonou-o na maternidade. E só começou a sentir-se mal porque as pessoas que amou foram afectadas. Porém, nem uma única vez parou para pensar que o “monstro” que criou também tinha direito à vida e ao respeito, e tudo o que aconteceu poderia ter sido evitado, se tivesse feito a sua obrigação: agora que o criou, vai ter que o educar e terá que se responsabilizar pelo que fez. Quantos cientistas, afinal, não conhecemos hoje, que têm precisamente esta personalidade?

Extraordinariamente profético, poético, sublime, aterrorizante, este é um dos 1000 livros que toda a gente deve ler antes de morrer.

Sem comentários: