Dezanove Minutos, de Jodi Picoult
No mês de Abril de 1999, o mundo acordou em estado de choque: dois jovens da cidade de Columbine, nos Estados Unidos da América, decidiram vingar-se da maldade e desprezo dos seus colegas e, munidos de um pequeno exército de munições, mataram a sangue frio 15 alunos e professores e feriram mais de vinte, inclusivamente um docente, que se pôs à frente de um aluno e pagou caro pela sua boa acção. No fim, viraram as armas às suas cabeças e partiram deste mundo vingados. Desde então, começa a tornar-se um hábito abrirmos a televisão e sermos confrontados com mais um tiroteio numa escola, mais um aluno que perdeu a cabeça e decidiu fazer justiça pelas suas próprias mãos, mais um oceano de vítimas que estavam no lugar errado na hora errada.
O mundo, eternamente estúpido, levou tempo a perceber as razões de tal violência. Porém, à medida que se foi tomando conhecimento dos seus diários e das suas entradas na internet, chegou-se à conclusão de que estes dois rapazes eram desprezados e gozados pelos adolescentes mais populares da escola, quase todos ligados ao desporto e às festas de arromba. Mais ainda, um deles sofria de depressão crónica. Na verdade, os dois amigos sofriam de perturbações mentais e não estavam a ser devidamente tratados.
Questão número um: onde é que estavam os adultos, quando a sua presença era mais do que necessária? Ninguém reparou nestas “crianças”? Ninguém reparou que elas não eram bem tratadas pelos colegas? Que fez a escola para tentar reintegrá-los? Onde estavam os pais? Onde estavam os professores? Onde estavam os funcionários da escola?
Questão número dois: serão eles culpados ou vítimas de uma sociedade, que fecha os olhos à violência e que acha que o bullying é uma coisa normal, “uma brincadeira de rapazes”?
O bullying sempre existiu desde que as crianças são crianças. Que o digam (por exemplo) as centenas de jovens dos colégios internos, especialmente os ingleses. Porém, assistimos a dois fenómenos completamente novos: em vez de as vítimas se calarem e acatarem a maldade dos outros, planeiam a vingança e levam-na à prática, mesmo que esta termine com o fim das suas próprias vidas. Em segundo lugar, o bullying não está a aumentar mas está a tornar-se cada vez mais perverso e sórdido. Há cinquenta anos atrás, gozar com os colegas resumia-se a uma série de socos no recreio da escola, briga essa que quase sempre acabava no gabinete do Director, com os pais aos berros a pregarem bofetadas e puxões de orelhas aos filhos. Ou, quanto muito, era o “caixa de óculos” ou alcunhas ofensivas. Os adultos estavam presentes, toleravam uma certa maldade na hora do recreio. Porém, quando esta começava a atingir proporções doentias, era o “pára já, senão levas um sopapo”. E é precisamente aqui que a sociedade do século XXI falha: assim que os adultos viram as costas, as crianças, completamente sozinhas, dão asas à sua imaginação, quer para o bem quer para o mal. E não há ninguém que as controle. E quem leu O Deus das Moscas, sabe muito bem do que estamos a falar (já foi nosso livro da semana: http://bibliotecaportaberta.blogspot.com/2009/04/livro-da-semana_27.html ).
O livro da semana, como já devem ter adivinhado, aborda precisamente este tema: um adolescente vinga-se de anos e anos de maus-tratos e de “indiferença” por parte dos professores, funcionários da escola e pais da maneira mais inesperadamente violenta que se possa imaginar. A escritora deste romance de cortar à faca tenta ser o mais imparcial possível: todos mas todos têm culpas no cartório e todos são inocentes. Nem Peter Houghton merecia ser tão mal-tratado nem as vítimas mereciam ser vítimas. Acima de tudo, ficamos com a sensação de que a Sociedade, quando quer fazer justiça, já chega e sempre tarde demais.
Terminamos este texto com uma das músicas mais emblemáticas do grupo Pearl Jam, em homenagem a Jeremy Wade Delle, um adolescente de quinze anos que se matou na sala de aula, à frente de alunos e professores. Veio-se a descobrir que os pais pouca atenção lhe davam e Jeremy era um rapaz solitário, mal-compreendido pelos seus colegas.
A solidão, como já reparámos, está sempre presente em todos estes miúdos...
Pearl Jam – Jeremy (legendado)
3 comentários:
Numa versão M/16 existe o filme "Carrie", de Brian de Palma, baseado numa novela de Stephen King. Icónico.
Tens toda a razão: "Carrie" é uma das obras mais proféticas do século XX. Antecede todos os massacres que iremos assistir a partir de 1999. De leitura obrigatória!
Sandra Costa
Penso que é responsabilidade de todos ensinar, desde muito cedo, os nossos filhos a:
- partilhar
- ser tolerante para com quem é ou pensa de forma diferente
- respeitat os outros
- atender às circunstâncias caso a caso e nunca generalizar
Talvez houvesse muito menos bullying assim.
Parabens por continuarem a aconselhar livros que fazem pensar
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