segunda-feira, abril 27, 2009

Livro Da Semana

 

clip_image002O Deus Das Moscas, de William Golding

Publicado em 1954, em Inglaterra, esta é uma das obras literárias que bem podem figurar na lista dos “livros malditos”, juntamente com 1984, de George Orwell, Escuta Zé Ninguém, de Wilhem Reich, Se Isto É um Homem, de Primo Levi, Ensaio Sobre A Cegueira, de José Saramago e até o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Trata-se daquelas leituras profundamente incómodas, que são verdadeiros murros no estômago, que abalam as nossas consciências, que nos fazem pensar no mundo absurdo em que vivemos e que nos mudam para sempre. Por isso, aproveitamos já para avisar: quem quer que leia O Deus das Moscas, é bom que esteja preparado para pousar o livro várias vezes, de tal forma a história é sufocante e, infelizmente, muito premonitória do futuro que nos espera.

Porque este livro não podia, de facto, ser mais actual: o autor imagina uma guerra à escala planetária e, na sequência da mesma, várias crianças vêem-se “abandonadas” numa ilha deserta. Sem nenhum adulto que as guie e controle os instintos mais básicos que existem em todos os seres humanos (e estarão sempre dentro de nós, por mais que os “empurremos” para o nosso subconsciente), não demorará muito para que os miúdos mais agressivos e violentos comecem a impor a sua lei e a sua tirania. Os mais “fracos” serão pura e simplesmente engolidos e “escravizados”, enquanto os mais “fortes” exigirão o total domínio sobre os outros, sempre à custa da violência, da sova, da ameaça e do medo.

William Golding não é ingénuo nem parece ter muita fé na Humanidade: para todos os efeitos, o Homem é um demónio cujos instintos precisam de ser controlados desde a tenra infância. Compete aos adultos educarem (e reprimirem) os seus filhos, ensiná-los a ouvir, a serem perseverantes, a conseguirem aceitar a diferença do outro, ensiná-los a saber respeitar as hierarquias, fazê-los perceber que a paciência é sagrada e motivá-los para a importância que é sentirmos compaixão pelo sofrimento ou fragilidade dos outros. Porque, um dia, cada um de nós também irá precisar da paciência e da empatia do vizinho do lado e sem a solidariedade e a união, não há sociedade ou grupo que sobreviva.

Então, por que razão esta obra literária é tão actual? Olhemos para as famílias de hoje: disfuncionais e desestruturadas, os pais encontram-se cada vez mais ausentes, porque os empresários e os patrões sugam-lhes a vida; os avós estão enfiados em lares de terceira idade ou então encontram-se distantes dos seus netos, uma vez que é cada vez mais comum uma pessoa viver onde há trabalho, e não onde tem a sua família; há cada vez mais filhos únicos, o que quer dizer que as crianças de hoje já nem sequer têm um irmão com quem possam brincar ou desabafar. Praticamente sozinhas e famintas de amor, aos três anos vêem-se “abandonadas” numa espécie de parque de estacionamento para crianças, eufemísticamente chamado “pré-escolar”. São muitas vezes os professores que “tapam buracos” e fazem as vezes dos pais que, ausentes à força ou porque querem, já não estão presentes para educarem os seus próprios filhos. Os sinais já estão à vista: gangs de miúdos que assaltam adultos; crianças cada vez mais stressadas e agressivas; o aumento do Bullying nas escolas; filhos que agridem pais; aumento do insucesso escolar; miúdos que não conseguem aceitar um “não” como resposta; violência física e psicológica no namoro; crianças que revelam uma cada vez maior ausência de ressonância afectiva… Não tardará muito para que a nossa sociedade se pareça cada vez mais com a dos meninos desta perturbante história…

Seria bom que os poderosos deste país fossem obrigados por lei a lerem este livro. Talvez muitos erros futuros pudessem ser evitados. E, tendo em conta que esta obra já foi escrita há mais de cinquenta anos, não podem dizer que não foram avisados.

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