A Mecânica do Coração, de Mathias Malzieu
São cada vez mais as obras do Género Fantástico que apostam num tema muito peculiar: as máquinas e engenhocas mágicas, que rivalizam com os sentimentos humanos ou transformam o Homem num ser muito mais especial e mais completo. Tanto na história A Cidade das Sombras, de Jeanne Duprau, como na sequela Túneis, de Roderick Gordon e Brian Williams, sociedades debaixo da terra dependem exclusivamente das máquinas para sobreviver. E estas engenhocas milagrosas conseguem a proeza de criarem condições de vida fabulosas e são o produto da imaginação de homens e mulheres geniais. Já o lindíssimo livro A Invenção de Hugo Cabret, de Brian Selznick, narra-nos a história de uma criança fascinada por relógios e, durante um dos seus passeios habituais, encontra uma máquina muito especial: um autómato/robot avariado, sentado ao pé de uma mesa, e que precisa de “voltar a viver” para escrever uma mensagem importante num papel que está à sua frente. No jogo de computador Syberia, a heroína passeia em cidades mecanizadas, perdidas em desertos de gelo e quase desertas. E até na literatura Tim Burton brinca com o leitor, inventando crianças que são meio-ostras, meio-robots. Todos estes universos reflectem um século XXI em constante, acelerada e esquizofrénica mudança, um mundo que nos torna cada vez menos “humanos” e cada vez mais mecanizados ou “transformados” em algo “transgénico” ou “clonado”.
O nosso livro da semana segue precisamente esta temática: poderá um coração de metal suportar as dores e as alegrias do Amor num ser humano? Até que ponto estamos nós dispostos a aceitar o nosso lado emocional, mesmo que este destrua a nossa saúde e, talvez, a própria vida? Eis uma questão bastante importante no nosso século, se pensarmos que vivemos num mundo onde as pessoas se refugiam cada vez mais na realidade virtual, pois esta faz-nos sofrer menos do que a realidade concreta que nos rodeia. Fugimos da vida porque esta nos magoa cada vez mais, pensamos muito ingenuamente que assim seremos mais felizes e, ironicamente, continuamos frustrados e descontentes com a nossa existência.
A história começa na cidade de Edimburgo, em 1874, no dia mais frio que os habitantes alguma vez na vida conheceram. A descrição deste dia é de uma poesia surpreendente: As árvores parecem grandes fadas em camisa de noite, dançando de braços abertos à luz do luar (…) os pássaros gelam em pleno voo antes de se esmagarem no solo. O barulho que fazem ao cair é incrivelmente suave, nem parece um som de morte. Ora, é precisamente nesse dia que uma criança chamada Jack nasce. E o frio é de tal forma frio que o pobre bebé nasce com o seu coração totalmente congelado. Em desespero de causa, a parteira da cidade (que tem a fama de ser bruxa) consegue salvar a vida deste menino, introduzindo-lhe um relógio de madeira no seu coração.
O menino, graças à inteligência e engenho da parteira, consegue sobreviver. Porém, nunca será uma criança igual às outras: não pode chorar, não pode rir, não pode sentir raiva, não pode sentir rancor, não pode sentir stress, desgosto, euforia, nada. Eis o preço a pagar pela sobrevivência: deixar de ser humano. Mas… será que podemos mesmo desistir da nossa Humanidade? Entretanto, Jack cresce, torna-se adolescente e apaixona-se por uma linda cantora de rua. E é bom que o nosso herói se prepare: o amor é um sentimento que tanto nos pode levar ao Céu como nos pode levar ao Inferno…
Viver é o mesmo que durar? Já Fernando Pessoa tinha colocado esta questão a si mesmo e a todos os heterónimos que foi inventando. O que é que nos torna, afinal, humanos? Onde é que acaba a máquina biológica que é o nosso corpo e começa esta entidade chamada “alma”? E a alma existe?
Escrito numa atmosfera muito “Tim Burtoniana”, esta é uma história que fará as delícias de todos os amantes da boa literatura.
2 comentários:
Sem dúvida que uma bela história que também nos faz reflectir sobre a nossa própria mecânica do coração. Engraçado a coincidência, hoje coloquei um comentário no meu blogue sobre esse livro.
Um abraço
fiquei curiosa, deve ser uma história lindissíma, a de um rapaz que se quer tornar "humano", porquê que ele se quer tornar humano se, por vezes, até nós seres humanos queremos o contrário?
um beijo para todos =D
Melinda 8ºB
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