sexta-feira, janeiro 29, 2010

E Não Seria Bom Olharem-se Ao Espelho?

A notícia já é do conhecimento de todos, e mesmo aqueles que clip_image002não lêm jornais nem ouvem rádio nem vêm o Jornal das oito já sabem que na nossa muito competente e profissional TAP há pilotos que andam às caneladas e pontapés, não por causa de dinheiro ou injustiça no local de trabalho, não por excesso de horas de trabalho, não por causa de ameaça de despedimentos, não por causa de cortes orçamentais, mas por causa do... Facebook.

Tudo começou com uma queixinha online: um piloto e a sua família sentiram-se picados por terem levado a viagem toda em classe turística, em vez de irem para a primeira classe, como é do direito de qualquer piloto desta companhia aérea. Vai daí... toca a criticar a própria agência que os contratou, numa rede social assistida por milhões e milhões de seres humanos. “Cheguei hoje de Maputo. Foi tão bom ter vindo 10 horas na penúltima fila. Eu, a minha mulher e a mulher do co-piloto apesar de haver lugares em Executiva”, desabafou.

A guerra não se fez esperar, e colegas do piloto, também no Facebook, entraram na táctica de guerrilha, e foi um nunca mais acabar de “lavar a roupa suja” em público. E não estamos a falar de críticas amargas e lúcidas, estamos a falar mesmo de insultos: Outros colegas do piloto indignado por viajar em económica decidiram comentar e apelidaram o comandante e o co-piloto do voo de Maputo de 'filhos da p...', 'labregos', 'atrasados mentais' e 'montes de m...'. Chocada com a “falta de chá” dos seus trabalhadores, a TAP obrigou-os a tirar um curso de ética profissional, castigo esse que, na nossa opinião, até é bastante suave: numa outra companhia, os “meninos rabinos” já teriam levado um bom tau tau no rabiosque (esta capa do Lucky Luke é muito inspiradora...) e, de seguida, teriam sido chutados para o olho da rua. Mas não!!!!! Os autores desta brincadeira de mau gosto não só não se sentem minimamente envergonhados das figuras tristes que fizeram e da má imagem que trouxeram à TAP como, ainda por cima, agora até ameaçam os patrões com uma valente greve, caso tenham que ir para a frente com o curso!

Em primeiro lugar, as redes sociais não são espaços privados. Eu posso ter inicialmente 10 amigos na minha página do Facebook, mas basta os amigos dos meus amigos e os amigos dos meus amigos dos meus amigos adicionarem-me também (pessoas que eu, muitas vezes, nem sequer conheço mas que, por delicadeza, acabo por aceitar o convite) e, imediatamente, terão acesso a tudo o que eu digo. Aquela conversa, para todos os efeitos, não foi privada. Em segundo lugar, não é aquilo que se diz, é como se diz: o piloto que começou este “lavar da roupa suja” poderia ter dito exactamente a mesma coisa sem ironizar ou insultar ninguém. “Hoje, tivemos que ir em classe turística, apesar de haver lugares vagos na classe executiva. Ficámos surpreendidos mas acho que deve ter havido aqui um mal-entendido. Amanhã eu falarei com os responsáveis, para saber o que se passou”. Tivesse escrito algo assim e os problemas nem sequer teriam começado. Em terceiro lugar, viajar (ainda por cima grátis, quem me dera eu!) numa classe turística não é propriamente aquilo que nós consideramos um “problema maior”: se tivesse sido descoberta uma rede de grande corrupção na TAP, ou colegas que discriminam passageiros porque são de minorias étnicas, ou deficientes motores que estão proibidos de entrar em classes executivas... Bom, estes são casos que vale a pena investigar e denunciar. Mas criar uma guerra por causa de um detalhe estúpido não é inteligência, é mesquinhez pura e simples. No dia seguinte, não teria custado nada ao piloto ter-se dirigido ao seu superior, convidá-lo para um café e perguntar: “Ouve lá, explica-me lá por que cargas de água é que eu tive que ir na segunda classe, se havia lugares vagos na primeira. Confesso que não percebi nada...” Não há nada como uma conversa franca entre duas pessoas para que mais de metade dos problemas num local de trabalho desapareçam. É que muitos desses problemas, na esmagadora maioria dos casos, não passam de mal-entendidos entre colegas...

E se houver um leitor ou outro que ache que eu estou a fazer uma tempestade num copo de água, então façamos este exemplo: uma professora tem uma página no Facebook, certo? Ora, um dia, um pai de um dos seus alunos dá de caras com o conteúdo dessa página e descobre que o filho e os seus colegas estão a ser insultados online. Concordam com a postura desta professora? Acham que esta mulher tem perfil psicológico para educar crianças?

Vêm como eu não estou a exagerar?

Há adultos e adultos. Há aqueles que cresceram, que amadureceram, que têm consciência dos seus actos e que pedem desculpas quando cometem um erro. E há aqueles que só são adultos no Bilhete de Identidade. Por dentro, não passam de crianças mimadas que nunca saíram do recreio da escola e que ainda estão a precisar de um papá e de uma mamã que lhes puxem as orelhas e lhes cortem na mesada.

Por fim, um pequeno conselho: aprendam a ser humildes. A nossa vida não é importante. A cor das nossas cuecas, as birrinhas com os nossos colegas de trabalho ou a discussão com o nosso parceiro, nada disto irá mudar o mundo. Guardemos esses assuntos pessoais para as conversas de esplanada ou jantares em família. Porque o mundo não está minimamente interessado na nossa opinião e nas nossas crises existenciais. Se não têm nada de interessante para dizer, calem-se. Ou joguem Farmville.

Plantar rabanetes e nabiças que só existem no computador pode ser um passatempo um bocado parvo. Mas nunca fez nenhum mal ao mundo.

Sandra Costa

3 comentários:

Ana C. Nunes disse...

Só discordo com uma coisa:

"Guardemos esses assuntos pessoais para as conversas de esplanada ou jantares em família. Porque o mundo não está minimamente interessado na nossa opinião e nas nossas crises existenciais."

Porque afinal, se assim fosse, esta discussão nunca teria começado e não teria tido as consequências que teve. E mais, se tal fosse verdade, este post que tu fizeste nunca chegaria a existir, porque ninguém estaria interessado no que tu achas sobre a matéria.

Aviso: Não estou a ser sarcástica, apenas a notar algo óbvio.

Anónimo disse...

Ana:

Estou apenas a chamar a atenção para as figuras tristes que pessoas supostamente adultas e vacinadas fizeram só por causa de um lugarzeco num avião. Cria-se uma tempestade num copo de água só por causa disto??? Fazem-se queixinhas e insultos online por causa deste incidente? Não seria melhor terem resolvido este problema com uma simples conversa entre colegas?

O grande problema que aqui é focado é o facto de as pessoas do século XXI já não conseguirem ver a diferença entre espaço privado e espaço público, algo que, para muitos da nossa geração, era claro como a água: a nossa vida não é para ser contada à frente de estranhos. Ponto final. Eu não ando a usar este blog para falar das minhas aventuras e desventuras, pois não? Uso-o para falar de livros, Cinema, Ciência, Música, etc. Assuntos que são lúdicos e pedagógicos. Se falei do caso dos pilotos da TAP foi porque esta notícia, de tão ridícula, encheu as páginas dos jornais e mereceu ser comentada. Para o bem ou para o mal.

Atenciosamente: Sandra Costa

Anónimo disse...

Tudo começou com concursos como o Big Brother, revistas cor de rosa que nada cheiram a rosas, etc... Se as pessoas gostam de viver s vida por interpostas pessoas, ao menos joguem os Sims. Sempre podem construir casinhas e decidir quem se apaixona por quem. E até podem decidir se ficam em hoteis de luxo e viajam em executiva quando vão de férias... E se querem ter a ilusão de serem elas mesmo a viver, metam-se no Second Life. Mas cuidado!!! Até aí a feia realidade já espreita!...