Um dos termos fundamentais do pensamento filosófico, moderno e contemporâneo, é o que designa o conceito de representação. Desde logo, encontramo-lo associado às filosofias do conhecimento que rejeitam os postulados do realismo ingénuo, aquele que coordena a visão e a percepção imediata do nosso quotidiano, baseando-se na crença de que o nosso conhecimento é um espelho da realidade, exactamente, como a reproduzimos – atente-se ao que pressupõem e ao como nos dispõem os jornais e os telejornais, por exemplo. Nesse plano, perguntar-se-á: as coisas aparecem-nos como são ou as coisas são como nos aparecem ou ainda, as coisas, em si mesmas, são (ir)redutíveis ao pensamento? E, por consequência, há que decidir se o nosso conhecimento espelha a realidade ou constrói convencionalmente o mundo ou...
Trata-se, afinal, de se estabelecer um valor para o saber. Trata-se de encontrar um valor para o enunciado eu sei e clarificar o que pressupõe a afirmação de que sabemos alguma coisa. Com efeito, o que queremos dizer com “eu conheço” ou “eu sei”? O que é uma certeza? Resultando daí, um horizonte de sentido para o verdadeiro e, até, por extrapolação, a possibilidade ou impossibilidade de se ensinar o que quer que seja...
Estas, e outras questões conexas, originaram (e originam) um intenso debate e uma polémica discursiva, na qual podemos destacar, numa perspectiva do conhecimento como representação, autores como Kant, Shoppenhauer, Wittgenstein ou Nelson Goodman (entre outros). Salvaguardadas as diferenças, nesta “tradição” reflexiva, encontramos o conceito de representação associado à preocupação pelo limite. Sejam os limites do entendimento, os limites da vontade, os limites da linguagem ou os limites do fazer do(s) mundo(s). Pensamos e o que pensamos e julgamos conhecer é uma síntese subjectiva, determinada pelas nossas faculdades de apreensão? É o pensamento um acto da vontade, sendo o conhecimento um produto do querer? Um desejo que o mundo seja de acordo com o nosso esquema mental? Uma ilusão? Uma construção engenhosa a, ciência? Questões intempestivas, inactuais…
O termo representação presta-se, sem dúvida alguma, a diversos significados. Um deles é o da arte pictórica: o pintor representa, na sua pintura, o que vê ou o que imagina (o abstraccionismo representará ainda alguma coisa?) Outro é o da arte dramática: o actor representa o seu papel, isto é, faz de conta, finge, simula (para ser o que é, é o que não é – à semelhança da persona social). Outro, ainda, é o significado da representação no âmbito da vida política: vivemos numa democracia representativa – o povo mandata e, lá vai vicentinamente e entre dentes dizendo, é o que se sabe (a propósito, o que se sabe!!??). Todos estes significados partilham um mesmo vector: representar é estar em vez de, estar por, simbolizar. É indissociável do acto de pensar, pois não é já todo o conceito uma representação mental de algo? Resta saber o valor que damos a esse algo, com todas as consequências lógicas e ontológicas, ao nível do ser e da verdade.
É aqui que se torna, particularmente, útil o conceito de representação. Se toda a cultura implica a partilha de significados, através de uma complexa rede de signos e de símbolos. Se o próprio processo de cultura é um sistema de histórias sobre nós próprios, que nós contamos a nós próprios. Então, a nossa experiência da realidade é sempre mediada por sistemas de representação que a ordenam. E são estes mesmos sistemas que geram os consensos implícitos e explícitos, as ideias dominantes em torno das quais e a partir das quais se aceitam, “normalmente”, um conjunto de determinados valores éticos, morais, estéticos, epistémicos, políticos, religiosos e ideológicos. Desta forma, surgem os mundos e as suas versões e perspectivas, representações que são constructos situados, gerados em contextos de significação. Representações convencionais que conduzem as interpretações a partir das quais julgamos, pensamos, sentimos e atribuímos significado aos objectos, às pessoas, aos acontecimentos e, concomitantemente, lhes atribuímos beleza, justiça, verdade, validade... realidade.
Entender o papel da representação, é compreender que o visível e o invisível, o dito e o silenciado, o verdadeiro e o incrível, o absurdo e o inteligível nascem de práticas determinadas e situadas em espaços e tempos concretos, pelo exercício do poder na esfera de um paradigma modelar. E isso é um problema filosófico. A pensar.
Paulo Ramos
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