segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Livro da Semana

 

O Nome Da Rosa, de Umberto Eco

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De uma coisa vocês podem podem ter a certeza absoluta: daqui a cem anos, 90% dos acontecimentos históricos, políticos nacionais e internacionais, livros escritos, pinturas feitas, filmes realizados e estrelas do mundo da música e do desporto estarão esquecidos. Os fãs da Lady Gaga poderão não gostar muito desta verdade, mas o Tempo é impiedoso. É uma espécie de vassoura que deita para o caixote de lixo toda e qualquer obra, feito ou descoberta científica que não seja minimamente revolucionário/a.

Daqui a cem anos, apenas os historiadores e os curiosos terão ouvido falar de casos como o Freeport ou o Apito Dourado. Daqui a cem anos, talvez os Xutos e Pontapés sejam uma simples nota de rodapé. Daqui a cem anos, Dan Brown poderá ser um ilustre desconhecido e o caso Madeleine Mccain será uma curiosidade um tanto ou quanto interessante para a História do Crime em Portugal. Daqui a cem anos, quem sobreviverá ao Tempo? Bill Gates, Barack Obama, José Saramago e um punhado muito pequeno de “felizardos”. Os outros acabarão como nós: esquecidos, como se nunca tivessem existido. Porque o Tempo é uma lady altamente exigente, uma senhora muitíssimo culta, que só enche as prateleiras da sua casa com o melhor do melhor. Para a Senhora Tempo, nem o “excelente” é interessante. Apenas o “genial” merece ser guardado.

Até agora, o romance O Nome Da Rosa tem sobrevivido à Senhora Tempo. Escrito há precisamente vinte anos atrás, ainda é um dos livros mais lidos e mais publicados do século XX. Vinte anos depois, a história, a intriga e as personagens ainda conseguem criar fascínio nos leitores. E este romance é um dos poucos que conseguiu vencer a “sétima arte”: apesar de ter sido adaptado para cinema, continua a ser lido anualmente por centenas de milhar de leitores em todo o mundo, algo que não acontece, por exemplo, com a saga do Harry Potter: agora que os filmes existem, as novas gerações já não lêem os livros. De facto, são muito, muito poucos os autores que, depois de verem as suas obras adaptadas para filmes, continuam a ser lidos. Muitas vezes, é preciso esperarmos cerca de vinte e cinco, trinta anos para que uma determinada obra seja redescoberta.

Mas, afinal, o que há de tão fascinante neste romance histórico-policial? Para começar... É literatura a sério. As primeiras quarenta páginas são uma espécie de “teste ao leitor”: se conseguir ultrapassar este barranco, estará preparado para ler o livro. O início, com efeito, é propositadamente lento, pois quem está a narrar esta história é um monge já bastante envelhecido da Idade Média/início do Renascimento. Aliás, todo este livro é escrito como se fosse um manuscrito perdido, recentemente encontrado num alfarrabista italiano. Ora, os monges têm tempo para escrever, para ler, para estudar, para investigar, para pensar, para meditar. Tempo é o que não lhes falta. Atenção, senhoras e senhores: vamos entrar no mundo fechado de uma fabulosa abadia. Aqui não há pens, nem mails, nem carros, nem televisão, nem jornais. Aqui o tempo pára. O mundo não muda a cada ano que passa, o mundo muda de cem em cem anos. Ou o leitor aceita esta verdade ou então o melhor mesmo é nem sequer entrar pelas portas imponentes desta abadia.

A trama “policial” é apenas um pretexto para falarmos de coisas mais importantes: como é que o Homem Medieval, particularmente o religioso e culto, vê o mundo? O Diabo existe ou é apenas uma mera imaginação dos homens? Como é que se distingue um santo de um bruxo, se as alucinações e os sinais divinos parecem ser precisamente os mesmos? Como pode a Igreja, cheia de luxo e de riquezas, tolerar um grupo de religiosos conhecidos como Franciscanos, homens estes que recusam as riquezas e acusam a própria Igreja de se ter afastado da palavra de Cristo? E por que motivo o riso é “coisa do demónio”?

Toda a história deste romance ocorre num tempo de encruzilhadas: a Idade Média como nós a pensamos está a chegar ao fim. As cidades dominam cada vez mais o mundo e os conventos e abadias são esquecidos. Crescem as universidades, cresce o comércio, fala-se de ideias que serão mais tarde conhecidas pela palavra “Humanismo”. E os monges desta abadia já não se identificam com este novo mundo, acham que o fim do planeta está a chegar, que a presença do Anti-Cristo é mais que certa. E no meio de tudo isto, há uma estranha, labiríntica e fascinante biblioteca e uma série de assassinatos que parecem girar à volta de um livro maldito...

O filme, que conta com as excelentes interpretações de Sean Connery e Christian Slate, nada mais é do que um pálido vislumbre do livro. Mas, francamente, em duas horas não se pode contar muito. Há todo um universo de sabedoria que se perde no grande écrã. Esta é, para todos os efeitos, uma obra literária que nunca resultaria no cinema. Porém, deixamos aqui o aviso: este não é um livro para qualquer leitor.

Façam o teste. Tentem ultrapassar as quarenta páginas. Se conseguirem, entrem na abadia.

E deslumbrem-se.

2 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Lyta disse...

Este é um dos melhores romances históricos alguma vez escritos. Há muitos,uns melhores do que outros mas apenas uma mão cheia de obras primas. Deixo apenas mais duas sugestões entre estas: «Memórias de Adriano», de Marguerite Yourcenar e «Qumran» de Eliette Abecasis.