O Monte Dos Vendavais, de Emily Brontë
De todos os sentimentos humanos, o Amor é, sem dúvida, aquele que mais facilmente se quebra e se destrói, à mais pequena aragem. É tão frágil que precisa de ser regado, adubado, acarinhado e estimulado com muita regularidade, não vá este sofrer de tédio e desaparecer, quase sem darmos por tal. Mas é também aquele que mais sofrimento, frustração e dor provoca. Até parece que todos nós possuímos uma veia masoquista e sentimos prazer em sentir um vendaval tão grande nas nossas vidas. Sim. O Amor tem sido, durante milénios, fonte de muita, muita dor. E se assim o é, por que motivo todos nós desejamos senti-lo? Não deveríamos antes fugir dele?
Uma pessoa apaixonada, segundo Francesco Alberoni, é uma pessoa doente, intoxicada, naturalmente drogada. Quando nos apaixonamos, vivemos num estado de alucinação e não há quem não se divirta com os nossos olhos de “carneiro mal morto” que todos os namorados apresentam assim que pensam, ouvem ou vêm o objecto dos seus desejos. Pode explodir uma bomba ao nosso lado e quase que nem damos por tal. Parecido com isto, só uma mulher grávida, completamente centrada na sua barriga e na nova vida que está a construir. Ora é precisamente por isto mesmo que não podemos estar eternamente apaixonados: passado o fogo e o prazer da novidade, as hormonas assentam e passamos à segunda fase: a fase do Amor genuíno, o Amor que não é cego e que aceita o outro tal e qual como ele é. E é nesta altura que muitos casais e namorados se separam, pois estes confundem muitas vezes paixão com amor.
Porém, há amores malditos, que nunca se apagam e que, longe de trazerem à tona o melhor que existe em nós, destroem-nos física e espiritualmente. Felizmente, estes casos são poucos, senão a Humanidade seria ainda mais infeliz do que é actualmente. Mas lá que eles existem, isso é verdade. E, por muito estranho que pareça, há muitos seres humanos que consideram estas relações doentias bastante fascinantes e apelativas. Secretamente, muitos de nós gostaríamos de as experienciar. Há um certo glamour na auto-destruição em nome de alguém que amamos…
Ora, O Monte dos Vendavais conta a história de um dos amores mais malditos da História da Literatura Mundial, figurando lado a lado com a Madame Bovary, Ana Karenina ou até Tristão e Isolda. Na altura em que este romance foi escrito, estávamos no auge do Romantismo e do “amar até à morte”. Lutava-se pelo casamento de amor e não por conveniência, e a força deste era glorificada por vezes num estado muito patológico. Mais ainda, o Romantismo Gótico dava aos sentimentos humanos um tom ainda mais sombrio e ainda mais mortífero do que já é.
Tudo começa com a chegada do Sr.Lockwood à herdade dos Tordos. Sabemos que ele está lá para usufruir dos bons ares do campo, mas depressa descobre que estes “bons ares” escondem uma longa história de loucura, paixão assolapada e muita auto-destruição à mistura. A história de amor demente de Catherine e Heathcliff é-nos relatada por uma simples governanta (podemos mesmo dizê-lo) mentalmente equilibrada. É ela quem toma conta da propriedade e que tem que “aturar” o terrível mau génio do seu patrão, é ela quem revela o passado do seu amo e senhor a um atarantado Sr. Lockwood, que veio para apanhar bons ares e saiu-lhe na rifa uma mansão negra, onde a loucura espreita em todas as frinchas das portas. E é interessante repararmos que os sentimentos que Nelly Dean nutre em relação a Catherine e Heathcliff oscilam entre a compaixão cristã e a falta de paciência para aturar “frescuras de gente rica”: sendo ela uma mulher do campo, prática, objectiva e habituada à dureza dos pobres, não tem lá muito tempo para amar, e muito menos para se aniquilar por causa do Amor.
Podemos concluir que este romance, longe de enaltecer o “amar-te-ei até à morte”, critica fortemente duas pessoas que egoisticamente arrastam toda uma família para a destruição. Aliás, o fim desta história apresenta uma moral bem clara: só através do arrependimento e da entrega da nossa alma a Deus é que o Homem conseguirá vencer o seu lado animal e superar-se a si mesmo. E vistas as coisas por esta perspectiva, a voz da Sabedoria vem da boca de uma simples e anónima criada de campo. Não vem dos filósofos, dos cientistas e dos artistas. Porque é da boca do povo, muitas vezes, que escutamos a Verdade.
Não há nada de belo neste “Amor Baixo”, como Camões dizia. Deixemos, portanto, estas histórias para os livros e para o cinema. A verdade é ninguém, na vida real, gosta de sofrer.
1 comentário:
Heathcliff foi dos primeiros personagens que me arrebataram na adolescência... é um romance soberbo...
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