Revolutionary Road, de Richard Yates
A cena é velha, gasta e já cheia de bolor: lá temos nós o casalinho cheio de sorrisinhos, distribuindo “vivas” à porta de entrada, a dar abraços aos amigos e beijinhos às amigas. Tudo parece estar bem: os catraios andam aos pulos pela casa com as outras crianças; o casalinho anda bem vestido; ela acabou de chegar do cabeleireiro e tem as unhas impecáveis; ele apresenta um ar de quem ganhou a lotaria; o bruto carro, aquela “celindrada” que faz inveja aos vizinhos lá está a reluzir na rua…
Mas o verniz não demora muito a estalar: ao fim de uma hora de convívio com os amigos, as pequenas “tacadinhas” e as “bocas foleiras” esvoaçam pelo ar. Nota-se que eles nunca se tocam. Nota-se que eles nunca se olham e, quando o fazem, há sempre uma certa tensão no ar. No fim do jantar, ele quer sair, mas ela “empurra-o” crispada para casa, monitorizando de sorriso ameaçador as desculpas do marido. Isto é-vos um bocado familiar, não é?
Pois bem, Revolutionary Road aborda precisamente este tema: por detrás da fachada de grande riqueza e de um presente “bem-sucedido”, o casal já não se suporta. Os dois têm todo o conforto material, têm tudo o que um ser humano deseja: uma bela casa, uma boa vizinhança, um emprego muito bem pago, mas tudo isto já não chega para tapar o imenso buraco espiritual que existe nas suas almas. Foram adultos muito cedo, e a sociedade, desde muito cedo, exigiu tudo deles. Foram pais muito cedo. São crianças a cuidar de crianças e, por isso mesmo, não conseguem criar empatia com os seus próprios filhos. Agora, anos depois, perderam tudo o que tinham na mão.
Não deixa de ser um bocado triste que este livro, 50 anos depois, ainda seja tão actual e tão moderno: a vida não é só telemóveis e férias no Brasil. A vida é algo mais. Podemos fazer de conta que somos muito felizes, enquanto estivermos na faixa dos “vinte e tais” anos. Até podemos acreditar mesmo que somos felizes! Porém, assim que os “trinta es” começarem a pesar nos nossos corpos, não demorará muito para fazermos contas à vida, e fazermos um balanço geral do real sentido da nossa existência: o que faço eu aqui? Será que sirvo para alguma coisa? O mundo sentiria a minha falta se morresse? Estarei a aproveitar a minha estadia neste planeta? Ter-me-ei casado com o/a parceiro/a certo/a? Quantas oportunidades terei eu desperdiçado, sem sequer me ter dado conta de tal? A vida é só isto? Será que eu necessito de uma “estrada revolucionária” para que possa finalmente começar do zero e revolucionar a minha existência? E até que ponto estarei eu preparado para enfrentar o mundo? Será que os meus pais me prepararam para esta tarefa tão assustadora? Ou será que não passo de uma criança grande a brincar aos adultos?
O casal bem tentará encontrar um sentido para a sua vida. Mas será tarde demais. O mundo fez deles crianças egoístas mas, na hora de encontrar “culpados”, toda a gente foge. Para o bem e para o mal, eles estão entregues à sua sorte.
A América do século passado continua a ser igual a si própria: uma refeição de luxo, uma alma que tem fome e não é alimentada.
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