A Queda Dos Gigantes, de Ken Follet
É possível contar a história do século XX através das pessoas “comuns”? Sim, é possível, e os escritores e poetas são mestres nesta arte. Porém, o que torna o género do romance histórico tão poderoso é o facto de conseguir humanizar aquela “matéria chata” que aprendemos nos bancos da escola, e que ingenuamente nos leva a pensar que não nos servirá para literalmente nada, quando entrarmos na “vida real”, ou seja, o mercado de trabalho. De um momento para o outro, viajamos para um tempo que já não existe e que, estranhamente, ainda está presente. E dizemos isto precisamente porque todas estas personagens ainda nos são bastante familiares, ainda as entendemos muito bem, ainda sentimos empatia pelas suas lutas e desejos, ainda somos capazes de nos metermos na pele delas. A História com “T” grande ganha vida, ganha cheiros e cores, ganha sentimentos, ideologias. A História somos nós.
Com efeito, conhecermos o nosso passado é meio caminho andado para definirmos o nosso futuro. Os grandes momentos dos nossos antepassados e avós são verdadeiras lições de vida, lições estas que estão cheias de pistas e dicas de como construirmos um amanhã melhor para nós e os nossos netos. Vistas bem as coisas, o melhor livro de auto-ajuda que existe neste planeta é… a disciplina de História.
Ora, A Queda dos Gigantes, o nosso livro da semana, nada é mais é do que uma gigantesca trilogia, que começa no ano de 1911 e terminará no final deste século, e que acompanha o percurso, medos, esperanças, frustrações e desejos de cinco famílias estrategicamente colocadas em países que marcarão o século XX: Rússia, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos da América e Escócia, sendo esta última nação aquela que parece ser mais “imparcial”. E é fascinante olharmos para o mundo que existia há 100 anos: nada parece igual. Os continentes estão a abarrotar de pequenos “reinozinhos”, cujas fronteiras já estão mais que apodrecidas; as alianças políticas são relíquias do passado; as distinções de classes são tão marcadas, que mais parecem castas da Índia e não classes; os papéis do Homem e da Mulher estão mais que definidos desde a nascença; o poder das religiões é quase supremo; o mundo está parado; as sociedades estão cristalizadas, estagnadas, cheirando a bolor.
E quanto mais lemos esta gigantesca obra (928 páginas!!!!) mais nos apercebemos até que ponto o planeta Terra está cheio de pequenos planetas terras: as classes abastadas não entendem as classes pobres, os homens não entendem as mulheres, as elites não entendem as massas incultas, as minorias étnicas, religiosas e culturais não se entendem. Cada personagem vive no seu pequeno mundo, no seu pequeno planeta, no seu pequeno quintalinho, na sua pequena comunidade. Não há comunicação. Por muito que o rico queira, nunca entenderá o mineiro faminto e, por muito que o mineiro queira, nunca será capaz de sentir empatia e camaradagem pelo homem abastado. Estamos longe da internet, da televisão, do cinema, do documentário. O meu lado não sabe o que se passa no outro lado.
Entretanto, a História continua, criada pelos “grandes”, indiferentes aos zés-ninguém do outro lado da rua.
E há um cheiro ameaçador no ar, uma electricidade desconfortável, uma tensão que não se explica, uma dor no peito que parece não vir de lado algum, um céu carregado e silencioso antes da tempestade…
Sem comentários:
Enviar um comentário