sexta-feira, junho 18, 2010

Morreu José Saramago

Há dois tipos de seres humanos: aqueles que nunca se calam, que nunca se vendem… e os outros.

Léo Ferré, poeta e compositor belga.

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E, de repente, o nosso país ficou ainda mais pequenino.

Vão-se os grandes e, pelos vistos, (ainda) não há quem os substitua: Vergílio Ferreira, David Mourão-Ferreira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ruy Cinatti, Ary dos Santos, José Cardoso Pires, o grande poeta Alberto, Alexandre O’Neill…

Vão-se os grandes e (ainda) não há quem os substitua.

Nunca se vendeu; nunca se subjugou; nunca fez as vontades aos “amigos”; nunca andou em “grupinhos de poder e “grupinhos de elite”; nunca teve paciência para a estupidez e arrogância humanas; nunca quis um “tacho”; nunca se calou diante da injustiça e dos direitos fundamentais do Homem e de todos os seres vivos; nunca desistiu; nunca deixou de declarar guerra aos poderosos de todo o mundo.

Os livros, para ele, não serviam para entreter, eram uma arma que servia para despoletar em todos nós a força da dúvida e do questionar. E tal como Umberto Eco e Paul Auster, nunca escrevia a mesma história. O estilo era, sem dúvida, o mesmo, mas todas as suas obras eram inesperadas e tinham o condão de nos surpreender sempre.

Acreditou sempre nas mulheres e nunca se desiludiu. Acreditou em Portugal e desiludiu-se. Até ao fim, acreditou nessa grande invenção Humana chamada Democracia. Foi um comunista até ao fim, goste-se ou não dos seus ideais. Não acreditava em Deus. Afirmou numa entrevista que, se a reencarnação fosse real, gostaria de nascer “cão na sua casa”. Tinha um sentido de humor muito irónico e era amigo dos seus amigos.

Morreu como sempre quis morrer: sincero, honesto, verdadeiro, desprendido das coisas supérfluas da vida, livre. E, por isso mesmo, e à excepção dos seus fãs eternos, que devoravam edição após edição, não foi muito amado nos grandes “círculos de poder”. Padre António Vieira teria gostado de o conhecer: tal como ele, era de uma inteligência e cultura extraordinárias e até ao fim dos seus dias pôs sempre o dedo na ferida. Foi polémico, genial, incómodo, divino. Foi louco e lúcido, foi cruel e ao mesmo tempo delicado, foi brutal e ao mesmo tempo subtil.

E, de repente, Portugal ficou ainda mais pequenino.

Sandra Costa

Polémico Como Sempre – A Democracia, Hoje

Filme Ensaio Sobre a Cegueira, Obra de José Saramago

Imagem retirada daqui .

2 comentários:

Dellenn disse...

Um texto muito comovente e cheio de admiração pelo grande escritor. Vieram-me as lágrimas aos olhos.

Lyta disse...

Concordo com tudo o que foi dito excepto com o pessimismo em relação à nova geração. É verdade que não há quem substitua os grandes porque eles são insubstituíveis. Mas vão aparecendo outros que poderão ser grandes e vir a ser insubstituíveis, alguns dos quais reconhecidos pelo próprio Saramago como José Luís Peixoto, Walter Mãe ou João Tordo, entre outros. O próprio Saramago só muito tarde foi considerado grande. De qualquer forma eu, tal como a autora do texto e tantos outros, estamos hoje inconsoláveis.