Se não os conheciam, ficaram a conhecê-los: dois irmãos “cromos” saídos de um álbum de caricaturas. Um tem patilhas, bigode, aspecto de macho latino e o outro, mais caladinho, acompanha-o à viola. A dupla irrita, provoca, faz rir uns e exasperar outros. Recentemente ganharam o Festival da Canção, perante o espanto de muitos, porque foi o próprio público quem votou neles, destronando, assim, a canção que estava para ganhar, de nome São os Barcos de Lisboa, de Nuno Norte. Receberam o prémio no meio de apupos e de gente a sair da sala, completamente furiosa.
É caso agora para nos perguntarmos: mas a música é assim tão provocadora? Estou-me a lembrar dos bons velhos tempos em que o Herman José era o rei da comédia portuguesa, e as suas entrevistas históricas no programa Humor de Perdição causaram uma enorme polémica e, aqui entre nós, eram bastante mais irreverentes e provocadoras do que a intervenção dos Homens da Luta. Ou os portugueses deixaram de saber rir de si mesmos ou o tipo de humor que estes irmãos fazem não é lá muito apreciado no nosso país ou então não têm graça nenhuma.
A verdade é que este humor revisteiro já existe há imenso tempo: as personagens-tipo, que todos nós aprendemos a apreciar graças ao Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, foram sempre uma constante na arte de rir dos portugueses. Os Gato Fedorento usam e abusam das figuras-tipo para provocarem as gargalhadas, e o teatro de revista e os desfiles de Carnaval em Torres Vedras também fizeram das mesmas um must. Então por que motivo esta barulheira toda à volta da canção Luta É Alegria?
Em primeiro lugar, associamos o Festival da Canção a composições musicais que ou são palermas (meninas bonitas, de pernoca ao léu, a cantarem músicas pop sem qualidade nenhuma) ou são geniais (Simone de Oliveira, por exemplo). Este espectáculo já assistiu a canções de intervenção política (lembram-se dos anos a seguir ao 25 de Abril, por exemplo? Ou a Tourada do Fernando Tordo?), mas nunca, nunca foi usado para criar humor e provocar o riso. Não estamos habituados a este registo neste tipo de evento. E o pior de tudo é que, embora o público estrangeiro seja inteligente o suficiente para perceber que há crítica na música e nas personagens, por outro lado a língua Portuguesa impede-os de compreender na totalidade o que está a ser criticado. A única coisa que irão ver serão uns tipos bizarros, vestidos de uma forma estranha, a trautear uma cantiga que, quer gostem ou não, fica no ouvido.
E é precisamente aí onde os críticos dos Homens da Luta erram: este grupo interventivo sabe muitíssimo bem que não ganhará a Eurovisão (mas ainda existe algum português que acredite em tal???). O objectivo foi sacudir o público português, dar que falar, agitar as consciências, quer o tenham feito mal ou bem. A canção não foi criada para ganhar prémio algum. Ou muito me engano ou estes irmãos estão-se completamente borrifando para os resultados finais, até podem ficar em último lugar e, mesmo assim, farão a festa toda. Aquilo que eles queriam foi feito: irritar a burguesia, como diriam os nossos pais. E divertiram-se imenso a ver os “betinhos” saírem da sala, quais virgens insultadas na sua honra imaculada.
Quanto à “irreverência política”, é uma lufada de ar fresco encontrarmos uma geração jovem que se interessa por algo mais do que o telemóvel, o ipad, a roupa de marca e a discoteca ao fim-de-semana. Discutir o estado da nação e falar de política era algo que já não víamos há imenso tempo, e o movimento “Geração à Rasca” está aqui para o provar. Não é muito, mas já é um começo. Falta a estes jovens o salto definitivo: depois das críticas, arranjar alternativas e projectos viáveis. E isto é algo que eles ainda não sabem fazer, talvez porque os mais velhos não conseguiram ensinar estes “putos” a pensar de uma forma eficaz e construtiva. Mas com tempo, educação e paciência lá chegarão.
Pela minha parte, os Homens da Luta não me aquecem nem me arrefecem. Percebo-lhes o humor mas não é o meu tipo de humor. Mas daí a ficar chocada porque uma música cómica, que “reduz” o Português a caricaturas sociais, ganhou o Festival da Canção é uma atitude ridícula demais para ser levada a sério. E não se preocupem: não iremos ganhar de qualquer forma a Eurovisão. Só temos um vizinho para nos dar pontos e os peixinhos não estão autorizados a votar em nós.
Nem que tivéssemos inventado a mais bela canção da Humanidade, ficaríamos sempre nos últimos lugares.
Homens da Luta (Luta É Alegria)
Imagens retiradas daqui e daqui
Sandra Costa
1 comentário:
...não há nada a fazer. Mais facilmente os Portugueses ganham o Mundial de Futebol do que o Eurofestival da Canção. Se ganharmos o Mundial é porque jogámos bem, mas não há canção que valha naquele concurso. Os vizinhos votam sempre nos vizinhos e nós estamos sempre isolados. Náááááá´...
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